Opinião

Energia nuclear, mesmo sem licença

Washington Novaes
No mesmo dia em que o governo de Goiás reconhecia o direito de mais 199 servidores estaduais receberem indenizações mensais por danos à saúde provocados, em 1987, pelo acidente com a cápsula de césio 137 em Goiânia (agora são 422 reconhecidos, mais 800 reivindicam), o presidente da Eletronuclear anunciava que começará no segundo semestre deste ano a implantação da usina nuclear de Angra 3 - embora ela não esteja ainda licenciada pelo Ibama e como se isso fosse apenas um pormenor irrelevante. E exatamente um dos pontos a serem apreciados no licenciamento é a falta de destinação para os resíduos nucleares altamente radiativos que serão produzidos pela usina - e que deverão ser ainda muito perigosos daqui a 10 mil anos. Perto deles, os 19 gramas de césio que se espalharam em Goiânia naquele acidente são uma brincadeira de criança.

A usina, que a Eletronuclear prevê em funcionamento em 2014, não só não tem o licenciamento do Ibama como está sendo questionada na Justiça pelo Partido Verde e pelo Greenpeace, que consideram inconstitucional a permissão do Conselho Nacional de Política Energética, que autorizou em junho de 2007 a implantação. Como mostra no processo o professor emérito da USP e da UFMG José Afonso da Silva, a autorização sofre de dupla ilegalidade: falta-lhe um ato autorizativo prévio da Presidência da República, assim como a indispensável aprovação do Congresso Nacional, posterior a essa autorização (artigos 21, 49 e 225 da Constituição). A autorização por decreto de 1975, invocada pela Eletronuclear, foi revogada em 1991 pelo então presidente Collor. Não bastasse, questiona-se ainda a validade do contrato para a usina firmado em 1983 com uma megaempreiteira. E nem Angra 1 nem Angra 2, segundo as notícias, têm licença de operação.
Diz a Eletronuclear que os reatores de Angra 3 produzirão "apenas" 28 metros cúbicos de rejeitos de alta radiatividade, que "podem ser estocados numa salinha" por cem anos. Mas a destinação final dos rejeitos - diz a empreendedora - só estará decidida em 2013 (inclusive para o lixo nuclear de Angra 1 e Angra 2, estocado nas próprias usinas) e o Ministério Público acha indispensável definição prévia à implantação. No mundo todo, ninguém conseguiu até hoje encontrar essa solução. Os EUA já investiram mais de US$ 30 bilhões num projeto em Serra Nevada, embargado pela Justiça por falta de garantias para os milhares de anos de sobrevida da radiatividade. O que se pretende aqui é fazer um leilão entre municípios que se candidatem a recebê-los, contra "pagamento de royalties". É o que se chama de abusar da falta de informação e do miserê dos municípios.
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