Brasil

Rápida deterioração

Editorial da Folha

A fim de superar a maldição dos "vôos de galinha" -pequenos surtos de crescimento entremeados por grandes períodos de letargia-, a economia brasileira teria de atingir um patamar inédito de produção. Deveria ser capaz de suprir uma demanda interna pujante e, de quebra, exportar o suficiente para manter equilibradas as contas externas.
A evolução recente das contas externas mostra que o país ainda não atingiu esse patamar. A forte procura doméstica por bens e serviços impulsiona as importações e inibe vendas externas. Como resultado dessa pressão, o saldo do comércio com o restante do mundo vai-se estreitando depressa. Nos 12 meses findos em março, as vendas externas superaram as importações em US$ 34 bilhões, valor 26% menor que em março de 2007.
A deterioração comercial se soma à aceleração nas remessas de lucro das multinacionais instaladas no Brasil -para cobrir prejuízos com a crise financeira no mundo desenvolvido e/ou para aproveitar a forte cotação do real ante o dólar. A chamada conta corrente, o saldo de todas as transações com o restante do mundo à exceção dos fluxos de capital, aprofunda seu déficit em velocidade surpreendente.A conta corrente ficou negativa em US$ 10,8 bilhões no primeiro trimestre. A nove meses do fim do ano, o déficit chegou perto do valor que o Banco Central estima para 2008. Apesar do ritmo inesperado da deterioração, o real não dá sinais firmes de desvalorizar-se, como seria natural para um país cujas condições de financiamento externo autônomo pioram. O crescimento da economia brasileira e os juros altos aqui praticados atraem investidores externos, que ajudam a manter o real valorizado.
Mas os investimentos, inclusive os estrangeiros, para ampliar a capacidade de produção no Brasil também crescem num ritmo historicamente acelerado. Ou seja, em alguma medida, à diferença de surtos anteriores de alta do PIB, a capacidade produtiva vai se aproximando do patamar desejado, em que seria possível manter crescimento forte sem desequilíbrio externo.
Sustentar a marcha do investimento produtivo deveria ser o objetivo crucial da política econômica. A alta de juros, já iniciada pelo BC, visa a controlar o ímpeto da demanda, o que é prudente, mas seus efeitos colaterais -na forma de estímulo à especulação externa, pressão sobre a dívida pública e inibição do próprio investimento produtivo- precisam ser sopesados.
É lamentável que o governo nem sequer cogite acionar a política fiscal, reduzindo seus gastos de custeio, num momento em que ela seria muito mais apropriada que o aperto nos juros.

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