Uma reflexão sobre o tempo Márcia Denser Que são ficções senão saudades de um lugar onde nunca se esteve, dum tempo não vivido, de pessoas desconhecidas? Como no caso do meu avô paterno, morto em circunstâncias trágicas em 1946. De modo que, durante minha infância, ele seria menos que o perfume dum esquecimento, não fossem as lembranças e narrativas recorrentes de minha avó a respeito de certos traços de seu caráter, hábitos, comportamento, fazerem vibrar alguma corda profunda em meu inconsciente, a partir do que, pouco a pouco, ele foi ressurgindo, emergindo da minha imaginação, que completou os elementos que faltavam para torná-lo novamente vivo, para torná-lo inteiramente meu. Victor, meu avô, o turvo e silencioso Victor, circunspecto, esquivo, fatal, demasiado imerso em Horácio ou Virgílio ou numa infatigável coleção de selos no interior da biblioteca onde se encerrava à noite, depois do jantar, e nos fins de semana, de onde saía apenas para as refeições, as obrigações de chefe da ...