Reflexões

Vida atribulada de cão

Sidney Borges
Meu cachorro está estressado. Sua preciosa ração vem sofrendo ameaças. Durante o dia são bem-te-vis, pardais e saíras que não param de atacar as preciosas rosquinhas. À noite gambás e ratos silvestres se encarregam de interromper o sono e os sonhos do bom Brasil. Ele faz o que pode, avança célere, mas não tem logrado êxito. Com moscas sim. É um exímio caçador, não há um só dia que eu não o veja dando botes certeiros. Plac! As mandíbulas se fecham e a mosca vai ao encontro de São Pedro prestar contas. Se foi boa terá a eternidade no Paraíso, lotado de carcaças putrefatas e repolhos podres. Caso tenha pecado contra a castidade sua derradeira morada será o Inferno, lugar limpinho com borrifadores de detefon lançando jatos a cada trinta segundos. Os ratos silvestres são mais comportados do que as ratazanas urbanas. Dizem que em São Paulo há quatro ratos por habitante, o que perfaz uma alentada população de roedores de 60 milhões de indivíduos. Supondo que cada rato coma 10 gramas por dia, a rataiada consome 600 toneladas de alimentos a cada 24 horas. Acho que o governo deveria capturar e exportar esses ratos para a China. Eles saberiam o que fazer com eles, quem sabe ratos laqueados. Antigamente havia caçadores de ratos. Eu achava que eram os homens mais importantes do país, no mesmo nível de Getúlio, Café Filho e Falcão Negro. Na minha rua aparecia de tempos em tempos um deles, sempre impecável de roupa caqui e boné de legionário. Espalhava armadilhas pelos terrenos baldios e ficava de cócoras fumando um cigarrinho de palha, que enrolava cuidadosamente. Depois de algumas horas recolhia os ratos em uma caixa de madeira que levava a tiracolo e partia com sorriso de vencedor, do tipo do homem de Marlboro. Eu queria ser caçador de ratos, mas minha mãe não aprovou. Ela disse que eu ia ser médico. Ou contador. Acabei virando contador. De histórias. As mães não erram...

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