O ano que acaba e o que começa Contardo Calligaris Nos anos 1950, na Itália, circulava uma piada. Um padre transita de bicicleta pela praça de um vilarejo e quase é atropelado por um caminhão. Um guarda de trânsito, que é membro do Partido Comunista, comenta: "Padre, você teve sorte, hein?". E o padre: "Não foi sorte, não. É que você não consegue enxergá-lo, mas aqui comigo, na garupa, sempre vem Deus". O guarda, triunfante, tirando do bolso seu carnê de multas: "Dois numa bicicleta? Lamento, padre, esta é uma infração grave". Penso nessa piada a cada vez que alguém me diz que, na sua vida, algo está certo "graças a Deus". Tudo isso para dizer que a nossa vida e o estado do mundo dependem de nós —com um pouco de sorte, eventualmente. Nestes dias, os jornais e a televisão nos oferecem as tradicionais revisões conclusivas do ano que passou. Todos gostamos de um balanço. Qual é, para mim, o fato dominante de 2015? (Não é Eduardo Cunha; la...