Pensata inata quase inútil

Sábado frio e chuvoso

Sidney Borges
Nesta chuvosa manhã de maio, cansado de não trabalhar no dia do trabalho, vasculhei a rede em busca de notícias da gripe. Em um sítio da grande imprensa dei com a manchete: "Saiba quando começar um check-up e prevenir doenças". Na seqüência o olho: "Exame clínico adequado pode diagnosticar até 70% das doenças. Em qualquer idade, clínico geral deve ser consultado anualmente".

Para leitores que não estão acostumados ao jargão jornalístico, a manchete tem a função de dar visibilidade ao texto, deve ser criativa e concisa, tarefa difícil. Em seguida vem o olho, que fornece mais informações. Estudos feitos nos Estados Unidos, na década de 1940, indicaram que a maioria lê primeiro as manchetes e em seguida o olho. Caso a amostra interesse o texto é lido na íntegra.

A década de 1940 passou faz tempo, mas o hábito permanece. A propósito de manchetes, há um fato pitoresco envolvendo concisão e criatividade. Uso as palavras do jornalista Renato Pompeu em artigo publicado na Caros Amigos:

" Em 1961 alguém fez no Jornal do Brasil, do Rio, o título mais famoso da minha geração. Um diagramador desafiou um copidesque (nome que então se dava ao redator interno, em contraposição ao repórter) a fazer um título de apenas três linhas de três caracteres cada uma, para uma chamada de primeira página sobre a notícia de que o ex-presidente Juscelino Kubitschek havia recusado o convite para ser embaixador na Organização das Nações Unidas. O copidesque elaborou o seguinte e imorredouro título:
JK:
ONU
NÃO".

Brilhante, se jornalismo fosse futebol, ou se o Lula comentasse o fato, ele que tanto gosta de metáforas ludopedianas, diria que foi um gol de placa. Jorge Benjor até poderia fazer uma canção alusiva. "Eu só ponho meu boné onde eu posso apanhar - JK; ONU; NÃO (refrão), frio maravilha, JK; ONU; NÃO (refrão). Gosto das letras de Jorge Benjor, criativas. Taj Mahal eu tenho como insuperável.

Mas o fato é que ao ver a manchete do check-up não pude deixar de me lembrar da tia Balbina. Durante cinqüenta* anos ela foi ao médico a cada três meses.

Começou freqüentando o consultório do Dr. Geraldo, em 1936. Depois passou a ser atendida pelo filho dele, Dr. Geraldinho e nos últimos cinco anos pelo neto, Dr. Marco Antônio. Um dia titia descobriu que estava com câncer. Bem no início, segundo os médicos nada grave. Feita a cirurgia e retirado o tumor, começaram as sessões de quimioterapia com desdobramentos desagradáveis, queda de cabelo, perda de apetite, náuseas...

Apesar da idade, oitenta e cinco anos, tia Balbina sarou completamente. Depois morreu de gripe. Comum, gripe sem grife.

* Coloco o asterisco para deixar claro aos ditadores da gramática que resistirei. Na juventude lutei contra a ditadura, na evelhescência lutarei contra outra ditadura. Há certos burocratas que não fazem falta ao mundo, em vez de simplificar complicam. Fora reforma gramatical, vade retro. Ao inferno a sua inútilidade e a de seus criadores, seres vis. Jamais abandonarei o trema. Jamais.

Comentários

Malheiros disse…
Cara, tô contigo e não abro (que idade temos mesmo?)... Cada i-d-ê (e fechado)-i-a que esses caras têm... trema sempre. ditongo oral crescente acentuado. etc. etc. etc.

há mais o que fazer no mundo.

carlos

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