Opinião

Galula e nós

Denis Lerrer Rosenfield
Muito tem se falado nos últimos tempos de uma mudança da atitude americana em relação ao Iraque e, subsequentemente, ao Afeganistão, como se a vitória de Barack Obama significasse uma ruptura, em termos militares, com a administração George W. Bush. Com a invasão do Iraque, os governantes americanos se viram diante de uma situação completamente nova. Ganhar a guerra foi fácil, pois os EUA são imbatíveis em termos de guerra clássica. O problema surgiu quando os vencedores tiveram de se enfrentar com um movimento de insurgência, para o qual não estavam minimamente preparados.


Um dos comandantes americanos que se defrontaram primeiro com essa situação foi o general Petraeus, enquanto administrador de Mossul, a segunda cidade do Iraque. Deu-se ele conta de que os instrumentos que tinha à sua disposição eram insuficientes para combater um movimento de insurgência, o terrorismo islâmico, que se constitui como um inimigo anônimo, que se alimenta de sua influência e de sua imagem perante a população. As armas convencionais mostraram-se aí insuficientes. De volta aos EUA, o general Petraeus foi designado para comandar, em Fort Leavenworth, a Divisão de Doutrina do Centro Combinado das Armas (CAC). Lá, com o general James Amos, comandante dos Fuzileiros Navais, ele empreendeu a revisão da doutrina militar americana, voltando-a para os problemas oriundos da contrainsurgência. Ora, todo esse trabalho, consubstanciado no Counterinsurgency Field Manual, do The U. S. Army e do Marine Corps, passou a orientar a atuação americana no Iraque e, agora, também no Afeganistão.

A revisão doutrinária levada a cabo partiu do livro de um tenente-coronel francês, David Galula, que na Guerra da Argélia se defrontou com a insurgência naquele país e, a partir daí, como comandante de uma cidade, começou a mudar a relação dos militares com a população. Tempos depois foi convidado a passar um tempo nos EUA, onde publicou, em 1963, o livro Counterinsurgency Warfare, Theory and Practice, que se tornou o texto de referência desta nova doutrina militar americana.

O livro de Galula, ao estudar as questões da insurgência no século 20 até 1960, refere-se aos problemas da guerra revolucionária, nos moldes marxistas, tal como esta se fez na União Soviética, na China e em Cuba. Analisa também as guerras anticolonialistas, tendo como referência os seus componentes "anti-imperialistas". Seu foco de reflexão reside em pensar como a guerrilha e os movimentos insurrecionais redefiniram os termos mesmos do que se considerava como sendo a guerra, exigindo, por sua vez, das forças militares uma readequação de sua luta e a revisão doutrinária correspondente. O problema não era mais somente militar no sentido tradicional do termo, voltado para a conquista de territórios e a eliminação de um inimigo visível, mas a conquista da população, diríamos hoje da opinião pública, tendo como contendor um inimigo invisível.

A insurgência enfrentada pelos americanos é a do terrorismo islâmico; a de Galula, a de um movimento nacionalista, fortemente ancorado na concepção comunista das guerras de libertação. Seus ensinamentos são atuais no que diz respeito ao terrorismo islâmico, porém poderíamos dizer também que sua atualidade para o Brasil consiste em que ele nos permite pensar uma insurgência operante entre nós: a do MST. Ou seja, a atuação e a organização do MST recortam várias das características que Galula atribui aos movimentos insurrecionais, numa analogia que ainda se reforça pelo fato de essa organização política compartilhar os mesmos pressupostos ideológicos dos movimentos revolucionários do século 20. O marxismo segue sendo a sua referência teórica e o objetivo a ser realizado é uma sociedade socialista autoritária, que pressupõe a eliminação do capitalismo, da democracia representativa e do Estado de Direito. A sua autoapresentação como movimento social consiste somente num disfarce, visando a ter uma influência maior na opinião pública, escondendo, dessa maneira, suas verdadeiras intenções.
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