Opinião

A sucessão em tempo de espera

Editorial do Estadão
O imponderável - a enfermidade de que foi acometida a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff - acaba de expor de forma dramática os malefícios da decisão do presidente Lula de precipitar com uma antecedência absurda a campanha para a sua sucessão. Pouco mais de um ano depois de iniciar o seu segundo mandato, quando a etapa seguinte do ciclo político era ainda a das eleições municipais, ele já cuidava, com um empenho que jamais demonstraria na gestão do governo nacional, de promover a ministra Dilma como a sua candidata em 2010.

Apesar do desconforto dos seus companheiros petistas, solenemente ignorados na imposição de um nome sem lastro partidário nem bagagem eleitoral, da reticência de uma base aliada às voltas com as suas próprias ambições e da perplexidade de muitos com a sua obsessão em cercar desde logo o campo sucessório da situação, Lula foi em frente.

Servindo-se de uma pirotecnia - o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - pôs o aparato federal a girar ao redor da ministra. E, principalmente, acionou os recursos de poder do Executivo para propagar a sua imagem como símbolo de operosidade e competência. Valeu-se até da nova conjuntura recessiva para associar a figura da "mãe do PAC" às políticas para a superação da crise econômica com investimentos sociais, no caso do programa habitacional "Minha casa, minha vida".

Ainda agora, na primeira aparição de Dilma depois da entrevista em que revelou o seu quadro clínico, reafirmou que ela é a sua candidata e procurou sugerir um paralelo entre o desafio pessoal que a confronta e o alcance da sua missão no governo. "No fundo, o que estamos construindo é um patrimônio da nação e ela tem a responsabilidade de ser a grande gerente disso", discursou ele num comício do PAC em Manaus. "Nós não podemos deixar parar e eu tenho a convicção de que ela não vai parar um minuto."

Contraditoriamente, afirmou que "a prioridade zero" da ministra é cuidar da sua saúde, embora, em um dos seis eventos de que participaram na segunda-feira, a aconselhasse a "enfiar a cabeça nesse PAC 24 horas por dia". Ao que ela comentou com um sorriso e uma ponta de ironia: "Ah, as 18 horas de hoje não são suficientes?"

Diante da adversidade, por sinal, o seu comportamento em público tem sido irrepreensível. Com leveza, lembrou aos jornalistas que a assediavam em Manaus que aquele não era o seu primeiro dia de trabalho - e, à pergunta inevitável, respondeu que "nem amarrada" falaria dos seus planos para 2010. As reações ostensivas dos políticos à notícia do seu problema também foram, em geral, dignas, quando não solidárias. O presumível candidato tucano ao Planalto, José Serra, por exemplo, considerou "desrespeitoso" misturar a saúde da ministra com a sucessão presidencial. "Não é apropriado e é até de mau gosto", ressaltou.

De todo modo, é inegável que a perplexidade se instalou nos meios políticos e que, não obstante Lula reafirmar a sua preferência por Dilma, a sucessão entrou numa fase de incerteza. O deputado Michel Temer, presidente licenciado do PMDB, talvez tenha sido mais franco do que a ocasião recomendava quando observou, ainda no sábado, que é preciso "esperar para ver o resultado do tratamento". Mas ele externou o estado de espírito que passou a prevalecer não só entre os seus pares de todo o espectro partidário, como também das forças sociais interessadas na configuração do primeiro pleito presidencial no País sem a candidatura Lula desde 1989. Esse desassossego representa um fardo psicológico adicional para a ministra - do que ela estaria poupada a esta altura se o seu patrono não tivesse privilegiado as suas conveniências egoístas a ponto de levantar prematuramente uma onda eleitoral, doravante à mercê dos azares da condição humana.
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