RETIRANDO-SE PARA A ETERNIDADE
Herbert Marques
Com o advento da Revolução Industrial, o homem não mais teve retorno à seus milênios de cultura, sendo impulsionado a um novo procedimento social que o próprio nome definiu como revolução.
Saiu do campo para os aglomerados urbanos, convivendo com o novo instrumento que passou a inferniza-lo, embora sua finalidade primeira tivesse sido a de procurar adequa-lo ao princípio do menor esforço. Passou a conviver com a máquina.
Sem sombra de dúvida o maior marco da história contemporânea, a Revolução Industrial e suas conseqüências, marcou como a principal delas, pelo menos em termos objetivos, a relação capital trabalho, a mola mestra da economia a partir daquele momento, o início da construção da cova rasa onde seria enterrado todos os desejos, sonhos e aspirações, prerrogativas tão somente do bicho homem.
Preocupado com esse binômio, Marx e seu amigo Engels nos legaram o primeiro tratado moderno sobre o assunto, “Das kapital”, bíblia do mundo socialista por mais de um século, compêndio teórico responsável pelo desenvolvimento de toda uma filosofia que sustentou parte da sociedade, principalmente a partir da primeira guerra mundial, desmoronando-se recentemente com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim. Como conseqüência disso outro fato histórico vem marcar a humanidade para esse final de século, dessa feita unindo todos os povos em torno de um mesmo rumo, quer seja econômico, político ou cultural. Estrangula para um só sentido, obrigando-os a uma competição entre si de natureza imprevisível, certamente até perder sua própria identidade, e pior, sua própria razão de ser. Não precisa dizer que esta situação nasceu a partir do momento em que a sociedade passou a ter uma só mão de direção. Rompeu-se o equilíbrio, romperam-se as alternativas para a escolha da melhor forma de suportar a vida.
De início podemos medir bem o resultado nas conseqüências já prementes nas comunidades mais numerosas, onde, em nome da racionalização, o desemprego coloca o homem nu, sem condições de ao menos sustentar sua família. E assim, mais uma vez sobre a face da terra, ele aumenta a cruz que sobre seu ombro carrega desde o dia que veio ao mundo, somente aliviando-a no dia de sua morte, como se filho de Deus não fosse, ou em sendo, desprezado por ter praticado algo de muito errado, imperdoável para o resto de sua vida.
Humilhado com a sua incapacidade de produzir nos centros urbanos onde a máquina tomou seu lugar, a eletrônica substituiu o pensamento, o capital substituiu a criatividade, ele tenta voltar às suas origens direcionando-se para o campo, para a terra onde foi condenado por sentença divina a tirar o sustento com o suor de seu rosto, ultimo recurso para a sua sobrevivência até voltar a ela como pó, epílogo da sentença divina.
Uma recente obra do fotografo mais festejado da atualidade, Sebastião Salgado, - TERRA -, em seu preâmbulo assinado pelo escritor português, José Saramango, Nobel de Literatura em 1998, assim descreve o homem colocado sobre a terra: “Posto diante de todos estes homens reu-nidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicativos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de constrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça”. E a multidão res-pondeu-lhe: Justiça, já nós a temos, e não nos atende”. Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito”. E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”. E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”. Disse à multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma justiça que se cumpra e um direito que nos respeite”. Então, Deus compreendeu que nunca tivera, verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar de majestade que havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha sido vítima de enganos, como aqueles de que se estavam queixando as mulheres, os homens e as crianças, e, humilhado, retirou-se para a eternidade”.
Nota do autor: Este ensaio foi publicado da revista VERTENTE, edição de janeiro de 1999.
Com o advento da Revolução Industrial, o homem não mais teve retorno à seus milênios de cultura, sendo impulsionado a um novo procedimento social que o próprio nome definiu como revolução.
Saiu do campo para os aglomerados urbanos, convivendo com o novo instrumento que passou a inferniza-lo, embora sua finalidade primeira tivesse sido a de procurar adequa-lo ao princípio do menor esforço. Passou a conviver com a máquina.
Sem sombra de dúvida o maior marco da história contemporânea, a Revolução Industrial e suas conseqüências, marcou como a principal delas, pelo menos em termos objetivos, a relação capital trabalho, a mola mestra da economia a partir daquele momento, o início da construção da cova rasa onde seria enterrado todos os desejos, sonhos e aspirações, prerrogativas tão somente do bicho homem.
Preocupado com esse binômio, Marx e seu amigo Engels nos legaram o primeiro tratado moderno sobre o assunto, “Das kapital”, bíblia do mundo socialista por mais de um século, compêndio teórico responsável pelo desenvolvimento de toda uma filosofia que sustentou parte da sociedade, principalmente a partir da primeira guerra mundial, desmoronando-se recentemente com o marco simbólico da queda do Muro de Berlim. Como conseqüência disso outro fato histórico vem marcar a humanidade para esse final de século, dessa feita unindo todos os povos em torno de um mesmo rumo, quer seja econômico, político ou cultural. Estrangula para um só sentido, obrigando-os a uma competição entre si de natureza imprevisível, certamente até perder sua própria identidade, e pior, sua própria razão de ser. Não precisa dizer que esta situação nasceu a partir do momento em que a sociedade passou a ter uma só mão de direção. Rompeu-se o equilíbrio, romperam-se as alternativas para a escolha da melhor forma de suportar a vida.
De início podemos medir bem o resultado nas conseqüências já prementes nas comunidades mais numerosas, onde, em nome da racionalização, o desemprego coloca o homem nu, sem condições de ao menos sustentar sua família. E assim, mais uma vez sobre a face da terra, ele aumenta a cruz que sobre seu ombro carrega desde o dia que veio ao mundo, somente aliviando-a no dia de sua morte, como se filho de Deus não fosse, ou em sendo, desprezado por ter praticado algo de muito errado, imperdoável para o resto de sua vida.
Humilhado com a sua incapacidade de produzir nos centros urbanos onde a máquina tomou seu lugar, a eletrônica substituiu o pensamento, o capital substituiu a criatividade, ele tenta voltar às suas origens direcionando-se para o campo, para a terra onde foi condenado por sentença divina a tirar o sustento com o suor de seu rosto, ultimo recurso para a sua sobrevivência até voltar a ela como pó, epílogo da sentença divina.
Uma recente obra do fotografo mais festejado da atualidade, Sebastião Salgado, - TERRA -, em seu preâmbulo assinado pelo escritor português, José Saramango, Nobel de Literatura em 1998, assim descreve o homem colocado sobre a terra: “Posto diante de todos estes homens reu-nidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicativos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de constrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça”. E a multidão res-pondeu-lhe: Justiça, já nós a temos, e não nos atende”. Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito”. E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”. E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”. Disse à multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma justiça que se cumpra e um direito que nos respeite”. Então, Deus compreendeu que nunca tivera, verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar de majestade que havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha sido vítima de enganos, como aqueles de que se estavam queixando as mulheres, os homens e as crianças, e, humilhado, retirou-se para a eternidade”.
Nota do autor: Este ensaio foi publicado da revista VERTENTE, edição de janeiro de 1999.
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