Política
Militância no poder
Ruy Fabiano (original aqui)
A palavra-chave que distingue o governo do PT dos que o antecederam – e que investe de maneira recorrente contra o Estado democrático de Direito – é “militância”. Lembrou-a, em recente conferência, o professor e filósofo Roberto Romano.
O vírus da militância política extrapola o âmbito partidário e introjeta-se nos Poderes do Estado, nas universidades e demais organizações da sociedade civil, influindo ou mesmo, em alguns casos, condicionando seu comportamento.
O militante é alguém que se julga imbuído de missão. Cabe-lhe, onde atua, implementar o ideário pelo qual milita, ainda que infringindo códigos e regulamentos. Não há separação entre vida partidária e profissional. Reporta-se não a seu superior hierárquico, mas ao comando partidário em que milita, com ou sem filiação.
No caso brasileiro, há exemplos abundantes dessa anomalia, sobretudo no Judiciário e no Ministério Público. E isso, a rigor, precede a chegada do PT ao poder. Ainda no governo FHC, o procurador Luiz Francisco de Souza notabilizou-se pela obstinação com que investigava figuras do governo – e só do governo.
Valeu-se de artifícios de toda ordem na obsessão missionária de condenar o ex-ministro Eduardo Jorge, em tabelinha com jornalistas militantes. A estratégia era simples: o jornalista publicava uma nota dando conta de que o Ministério Público estaria investigando algum personagem e a nota, artificialmente plantada, servia de base para abrir o processo investigatório.
Uma vez aberto, o noticiário se encorpava e dava sustentação à “notícia”, ampliando-a, o que, na sequência, justificaria pedido de abertura de CPI e passaria a mobilizar todo o noticiário político. Uma coisa alimentando a outra, em eficaz parceria, a que a bancada do partido aderia com estardalhaço. Eduardo Jorge, depois de brutal exposição pública, conseguiu provar sua inocência na Justiça.
No governo Lula, que já no seu segundo mês de vigência protagonizou o escândalo de Waldomiro Diniz - subchefe da Casa Civil, flagrado pedindo propina a um bicheiro -, o vigilante procurador Souza não mostrou o mesmo zelo pelo patrimônio público.
Ao contrário, saiu de cena. Não se ouviu também sua voz em todo o processo do Mensalão. Antes de ingressar no Ministério Público, Luiz Francisco fora filiado ao PT.
Com o partido no poder, novos personagens ocupariam a cena, com o mesmo ardor militante. O juiz Fausto De Sanctis, à frente do processo contra o banqueiro Daniel Dantas, fez dobradinha com o delegado Protógenes Queiroz (que, afastado da Polícia Federal, lançou-se candidato a deputado pelo PDT), no afã de condenar o réu sem obedecer o devido processo legal.
Com isso, favoreceu-o, mantendo-o em liberdade. Antes, porém, De Sanctis chegou a afirmar que a Constituição é apenas um documento, no que foi apoiado pelo procurador Rodrigo De Grandis, que sustentou, em palestra, que há, no Brasil, “um apego excessivo da jurisprudência à questão dos direitos e garantias fundamentais”.
Com isso, relativizou a letra da lei, considerando que, em algumas circunstâncias, pode (e deve) ser contrariada. De Sanctis foi ainda pivô de um acontecimento inédito: um abaixo-assinado de juízes de primeira instância contra o presidente do STF.
Mas a síntese dessa nova maneira de olhar o Direito mostrou-se por inteiro no célebre bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que o desafiou a “ir às ruas”, “ouvir a voz do povo”. É o mesmo fundamento de De Sanctis, ao relativizar a Constituição e sustentar a necessidade de que prevaleçam não os autos, mas “a vontade do povo”. Nesse caso, cada julgamento deveria ser precedido de pesquisa de opinião, e a Justiça seria algo mais afeito ao Ibope que ao Judiciário.
Desde a semana passada, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) convocou greve da categoria. A motivação não era de ordem trabalhista. A presidente do sindicato, Maria Izabel Noronha, declarou publicamente a verdadeira motivação do ato: “Precisamos quebrar a espinha dorsal da candidatura de Serra e do PSDB”. Dias depois, estava no palanque de Dilma Roussef, num encontro de mulheres metalúrgicas, categoria à qual não pertence. Foi elogiada por Dilma como “uma companheira combativa”. Militância em estado bruto.
A esquerda, desde a fundação do Partido Comunista do Brasil, em 1922, inaugurou a militância política entre nós. O PC, porém, jamais governou e os reflexos desse modo de fazer política não se faziam sentir com tanta nitidez. O PT, que forjou sua história na militância, está no poder. Promove congressos e conferências para manter a militância em sintonia com as palavras de ordem.
O Plano Nacional de Direitos Humanos 3 brotou dessa mobilização – constante contínua -, que é a chave para a compreensão da política brasileira contemporânea.
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Ruy Fabiano (original aqui)
A palavra-chave que distingue o governo do PT dos que o antecederam – e que investe de maneira recorrente contra o Estado democrático de Direito – é “militância”. Lembrou-a, em recente conferência, o professor e filósofo Roberto Romano.
O vírus da militância política extrapola o âmbito partidário e introjeta-se nos Poderes do Estado, nas universidades e demais organizações da sociedade civil, influindo ou mesmo, em alguns casos, condicionando seu comportamento.
O militante é alguém que se julga imbuído de missão. Cabe-lhe, onde atua, implementar o ideário pelo qual milita, ainda que infringindo códigos e regulamentos. Não há separação entre vida partidária e profissional. Reporta-se não a seu superior hierárquico, mas ao comando partidário em que milita, com ou sem filiação.
No caso brasileiro, há exemplos abundantes dessa anomalia, sobretudo no Judiciário e no Ministério Público. E isso, a rigor, precede a chegada do PT ao poder. Ainda no governo FHC, o procurador Luiz Francisco de Souza notabilizou-se pela obstinação com que investigava figuras do governo – e só do governo.
Valeu-se de artifícios de toda ordem na obsessão missionária de condenar o ex-ministro Eduardo Jorge, em tabelinha com jornalistas militantes. A estratégia era simples: o jornalista publicava uma nota dando conta de que o Ministério Público estaria investigando algum personagem e a nota, artificialmente plantada, servia de base para abrir o processo investigatório.
Uma vez aberto, o noticiário se encorpava e dava sustentação à “notícia”, ampliando-a, o que, na sequência, justificaria pedido de abertura de CPI e passaria a mobilizar todo o noticiário político. Uma coisa alimentando a outra, em eficaz parceria, a que a bancada do partido aderia com estardalhaço. Eduardo Jorge, depois de brutal exposição pública, conseguiu provar sua inocência na Justiça.
No governo Lula, que já no seu segundo mês de vigência protagonizou o escândalo de Waldomiro Diniz - subchefe da Casa Civil, flagrado pedindo propina a um bicheiro -, o vigilante procurador Souza não mostrou o mesmo zelo pelo patrimônio público.
Ao contrário, saiu de cena. Não se ouviu também sua voz em todo o processo do Mensalão. Antes de ingressar no Ministério Público, Luiz Francisco fora filiado ao PT.
Com o partido no poder, novos personagens ocupariam a cena, com o mesmo ardor militante. O juiz Fausto De Sanctis, à frente do processo contra o banqueiro Daniel Dantas, fez dobradinha com o delegado Protógenes Queiroz (que, afastado da Polícia Federal, lançou-se candidato a deputado pelo PDT), no afã de condenar o réu sem obedecer o devido processo legal.
Com isso, favoreceu-o, mantendo-o em liberdade. Antes, porém, De Sanctis chegou a afirmar que a Constituição é apenas um documento, no que foi apoiado pelo procurador Rodrigo De Grandis, que sustentou, em palestra, que há, no Brasil, “um apego excessivo da jurisprudência à questão dos direitos e garantias fundamentais”.
Com isso, relativizou a letra da lei, considerando que, em algumas circunstâncias, pode (e deve) ser contrariada. De Sanctis foi ainda pivô de um acontecimento inédito: um abaixo-assinado de juízes de primeira instância contra o presidente do STF.
Mas a síntese dessa nova maneira de olhar o Direito mostrou-se por inteiro no célebre bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, que o desafiou a “ir às ruas”, “ouvir a voz do povo”. É o mesmo fundamento de De Sanctis, ao relativizar a Constituição e sustentar a necessidade de que prevaleçam não os autos, mas “a vontade do povo”. Nesse caso, cada julgamento deveria ser precedido de pesquisa de opinião, e a Justiça seria algo mais afeito ao Ibope que ao Judiciário.
Desde a semana passada, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) convocou greve da categoria. A motivação não era de ordem trabalhista. A presidente do sindicato, Maria Izabel Noronha, declarou publicamente a verdadeira motivação do ato: “Precisamos quebrar a espinha dorsal da candidatura de Serra e do PSDB”. Dias depois, estava no palanque de Dilma Roussef, num encontro de mulheres metalúrgicas, categoria à qual não pertence. Foi elogiada por Dilma como “uma companheira combativa”. Militância em estado bruto.
A esquerda, desde a fundação do Partido Comunista do Brasil, em 1922, inaugurou a militância política entre nós. O PC, porém, jamais governou e os reflexos desse modo de fazer política não se faziam sentir com tanta nitidez. O PT, que forjou sua história na militância, está no poder. Promove congressos e conferências para manter a militância em sintonia com as palavras de ordem.
O Plano Nacional de Direitos Humanos 3 brotou dessa mobilização – constante contínua -, que é a chave para a compreensão da política brasileira contemporânea.
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