Opinião
O jogo duro da China
Editorial do Estadão
Não se conhecem as razões conjunturais do déficit na balança comercial da China nos primeiros dias de março, o primeiro resultado negativo desde abril de 2004, quando o país passou a conquistar posições cada vez mais altas no comércio internacional, até se tornar, no ano passado, o maior exportador do mundo.
A satisfação com que o primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou o resultado e o momento do anúncio - poucas semanas antes de uma decisão do governo dos Estados Unidos que pode levar à criação de barreiras para a entrada de produtos chineses no mercado americano - fortalecem a suposição de que isso faz parte do jogo de Pequim para aliviar as pressões que sofre de muitos lados. Em outro lance desse jogo, em entrevista ao jornal Washington Post, o ministro do Comércio da China, Chen Deming, advertiu que, se iniciarem uma "guerra comercial", os EUA serão os grandes perdedores. Seus argumentos são fortes.
Há muito tempo, os principais parceiros comerciais da China - a começar pelo maior deles, os Estados Unidos ? vêm recomendando ao governo chinês a desvalorização de sua moeda, o yuan, que, depois de uma pequena perda a partir de 2005, mantém paridade com o dólar desde 2008. Isso assegura maior competitividade aos produtos chineses - já favorecidos pelos baixíssimos custos de produção no país, em razão dos salários aviltados - e encarece os produtos importados. O resultado do início de março interrompe a longa série de superávits comerciais, mas não se pode, pelo menos por enquanto, projetar um déficit para o ano. Até mesmo o governo, embora admita um resultado inferior ao de 2009, considera que também em 2010 o saldo será elevado.
O anúncio, por isso, pode fazer parte da estratégia da China de retirar argumentos dos que exigem a desvalorização de sua moeda, num momento particularmente delicado. Na semana passada, um grupo de 130 congressistas americanos enviou carta ao secretário do Tesouro, Timothy Geithner, pedindo que, em seu relatório semestral sobre políticas cambiais dos parceiros comerciais dos EUA, classifique a China como um país que manipula o câmbio. O relatório será apresentado em 15 de abril. Se o secretário fizer o que pedem os congressistas, os produtores americanos poderão pedir a adoção de tarifas antidumping ou medidas compensatórias contra produtos chineses.
"Se alguns congressistas insistirem em considerar a China como um país que manipula sua moeda e obtiverem o direito de impor tarifas punitivas aos produtos chineses, o governo chinês considerará impossível não reagir", disse Chen. "Se os EUA iniciarem uma nova guerra comercial, a China será afetada. Mas o povo americano e as empresas americanas serão ainda mais atingidos."
O ministro lembrou que a China não exporta apenas bens de consumo, mas também insumos e componentes para a indústria americana, como tecidos e botões, cujo encarecimento em razão das sobretaxas elevará o preço do vestuário. Além disso, as empresas americanas instaladas na China respondem por 60% das exportações chinesas, ou seja, o protecionismo dos EUA afetaria empresas americanas. E, se deixarem de importar da China, os EUA terão de comprar de outros países, e isso manterá seu déficit comercial.
Chen ainda alfinetou os EUA pelas sanções que impuseram a seu país há duas décadas - após a repressão das manifestações antigovernamentais na Praça da Paz Celestial, em Pequim - e que permanecem. Essa política impede a venda de produtos de alta tecnologia considerados estratégicos, como supercomputadores e satélites. Se esse comércio fosse autorizado, as exportações dos EUA cresceriam US$ 40 bilhões por ano, calcula Chen
Ironicamente, nem Washington nem Pequim fazem referência ao destino que o governo chinês vem dando aos dólares acumulados com seus saldos comerciais. Eles estão sendo utilizados, na maior parte, na compra de títulos do Tesouro americano. A China detém mais de US$ 1 trilhão desses papéis. Isso amarra os interesses dos dois países, apesar de seu discurso comercial cada vez mais duro.
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Não se conhecem as razões conjunturais do déficit na balança comercial da China nos primeiros dias de março, o primeiro resultado negativo desde abril de 2004, quando o país passou a conquistar posições cada vez mais altas no comércio internacional, até se tornar, no ano passado, o maior exportador do mundo.
A satisfação com que o primeiro-ministro Wen Jiabao anunciou o resultado e o momento do anúncio - poucas semanas antes de uma decisão do governo dos Estados Unidos que pode levar à criação de barreiras para a entrada de produtos chineses no mercado americano - fortalecem a suposição de que isso faz parte do jogo de Pequim para aliviar as pressões que sofre de muitos lados. Em outro lance desse jogo, em entrevista ao jornal Washington Post, o ministro do Comércio da China, Chen Deming, advertiu que, se iniciarem uma "guerra comercial", os EUA serão os grandes perdedores. Seus argumentos são fortes.
Há muito tempo, os principais parceiros comerciais da China - a começar pelo maior deles, os Estados Unidos ? vêm recomendando ao governo chinês a desvalorização de sua moeda, o yuan, que, depois de uma pequena perda a partir de 2005, mantém paridade com o dólar desde 2008. Isso assegura maior competitividade aos produtos chineses - já favorecidos pelos baixíssimos custos de produção no país, em razão dos salários aviltados - e encarece os produtos importados. O resultado do início de março interrompe a longa série de superávits comerciais, mas não se pode, pelo menos por enquanto, projetar um déficit para o ano. Até mesmo o governo, embora admita um resultado inferior ao de 2009, considera que também em 2010 o saldo será elevado.
O anúncio, por isso, pode fazer parte da estratégia da China de retirar argumentos dos que exigem a desvalorização de sua moeda, num momento particularmente delicado. Na semana passada, um grupo de 130 congressistas americanos enviou carta ao secretário do Tesouro, Timothy Geithner, pedindo que, em seu relatório semestral sobre políticas cambiais dos parceiros comerciais dos EUA, classifique a China como um país que manipula o câmbio. O relatório será apresentado em 15 de abril. Se o secretário fizer o que pedem os congressistas, os produtores americanos poderão pedir a adoção de tarifas antidumping ou medidas compensatórias contra produtos chineses.
"Se alguns congressistas insistirem em considerar a China como um país que manipula sua moeda e obtiverem o direito de impor tarifas punitivas aos produtos chineses, o governo chinês considerará impossível não reagir", disse Chen. "Se os EUA iniciarem uma nova guerra comercial, a China será afetada. Mas o povo americano e as empresas americanas serão ainda mais atingidos."
O ministro lembrou que a China não exporta apenas bens de consumo, mas também insumos e componentes para a indústria americana, como tecidos e botões, cujo encarecimento em razão das sobretaxas elevará o preço do vestuário. Além disso, as empresas americanas instaladas na China respondem por 60% das exportações chinesas, ou seja, o protecionismo dos EUA afetaria empresas americanas. E, se deixarem de importar da China, os EUA terão de comprar de outros países, e isso manterá seu déficit comercial.
Chen ainda alfinetou os EUA pelas sanções que impuseram a seu país há duas décadas - após a repressão das manifestações antigovernamentais na Praça da Paz Celestial, em Pequim - e que permanecem. Essa política impede a venda de produtos de alta tecnologia considerados estratégicos, como supercomputadores e satélites. Se esse comércio fosse autorizado, as exportações dos EUA cresceriam US$ 40 bilhões por ano, calcula Chen
Ironicamente, nem Washington nem Pequim fazem referência ao destino que o governo chinês vem dando aos dólares acumulados com seus saldos comerciais. Eles estão sendo utilizados, na maior parte, na compra de títulos do Tesouro americano. A China detém mais de US$ 1 trilhão desses papéis. Isso amarra os interesses dos dois países, apesar de seu discurso comercial cada vez mais duro.
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