Conflito no Oriente
A inútil guerra que destruiu o Iraque
Um especialista do exército americano que havia colaborado estreitamente com o general David Petraeus, ex-chefe das tropas enviadas ao Iraque, garantia, em 2008, que a guerra civil acabaria quando os xiitas se conscientizassem de que haviam vencido e os sunitas que haviam perdido. Dito e feito.
por Nir Rosen
Algumas semanas após o início do ataque estadunidense contra o Iraque, em março de 2003, milhares de pessoas se comprimiam diante da recém-fundada Associação dos Prisioneiros Libertados. A sede ficava em uma propriedade que acabara de ser confiscada de um antigo responsável do regime de Saddam Hussein. Nas paredes estavam fixadas as listas de nomes, classificados por ordem alfabética. A relação foi recuperada quando a população pilhou a sede dos serviços secretos. Desesperadas, as pessoas as percorriam com os dedos, na esperança de saber do destino reservado a parentes detidos pela polícia. Geralmente as notícias não eram boas.
Três anos mais tarde, o país mergulhava em uma guerra civil: as milícias e os esquadrões da morte reinaram nas ruas de Bagdá. As famílias faziam fila para procurar parentes – desta vez no necrotério, onde as vítimas estavam reunidas aguardando identificação.
Na verdade, não foi preciso muito tempo para que o Iraque entrasse em um caos incitado pelos conflitos entre as diferentes crenças. Certamente esses tumultos existiam antes de 2003, e parecia lógico que a queda do presidente Saddam Hussein conduziria a um reequilíbrio do poder em favor da maioria xiita1. Mas a compreensão bastante superficial das tensões existentes por parte de Washington contribuiu para atiçá-las. Os Estados Unidos, de fato, viram no partido Baas uma nova versão do partido nazista e o associaram, erroneamente, ao conjunto dos sunitas, classificados como “inimigo” – uma decisão que teve como consequência transformar rapidamente esta falsa hipótese em realidade.
Além disso, a presença das tropas de ocupação americanas impediu a implantação de um governo com uma real legitimidade popular. Ela agravou as relações entre as crenças quando grupos – essencialmente sunitas – em luta contra a presença estrangeira entraram em conflito com aqueles que acusavam de serem favoráveis a ela. Instalou-se um clima de anarquia generalizada, ao qual nem o poder iraquiano nem Washington puderam fazer frente. Após um período de pilhagem frenética, o vazio foi preenchido por homens armados, alguns usando turbantes de religiosos xiitas, outros lenços da resistência, mas que para muitos simplesmente pertenciam a bandos criminosos.
No mundo muçulmano, a mesquita sempre exerceu um papel de dimensões religiosas, sociais e políticas. Ecoando cinco vezes por dia pelos bairros, o chamado para a oração regula o ritmo do cotidiano e o ciclo da vida. Nesse local, os fiéis se reúnem para rezar, aprender, falar e se mobilizar; o sermão da sexta-feira, ou khoutba, é muitas vezes um apelo à ação; e, quer se trate de questões religiosas ou de assuntos internacionais, o imã que dirige a oração expõe os problemas referentes à comunidade. Nos Estados autoritários, é também do alto do minbar (o púlpito onde o religioso fala a seus fiéis) que se fazem ouvir as raras vozes que propõem uma alternativa ao discurso oficial. Foi assim que no Iraque, após a queda do Estado, a mesquita tornou-se a instituição mais importante do país, cumprindo a função de unir as comunidades: primeiro, garantindo os serviços sociais; em seguida, transformando-se ao mesmo tempo em depósito de armas, local de informação e ponto de reunião.
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Um especialista do exército americano que havia colaborado estreitamente com o general David Petraeus, ex-chefe das tropas enviadas ao Iraque, garantia, em 2008, que a guerra civil acabaria quando os xiitas se conscientizassem de que haviam vencido e os sunitas que haviam perdido. Dito e feito.
por Nir Rosen
Algumas semanas após o início do ataque estadunidense contra o Iraque, em março de 2003, milhares de pessoas se comprimiam diante da recém-fundada Associação dos Prisioneiros Libertados. A sede ficava em uma propriedade que acabara de ser confiscada de um antigo responsável do regime de Saddam Hussein. Nas paredes estavam fixadas as listas de nomes, classificados por ordem alfabética. A relação foi recuperada quando a população pilhou a sede dos serviços secretos. Desesperadas, as pessoas as percorriam com os dedos, na esperança de saber do destino reservado a parentes detidos pela polícia. Geralmente as notícias não eram boas.
Três anos mais tarde, o país mergulhava em uma guerra civil: as milícias e os esquadrões da morte reinaram nas ruas de Bagdá. As famílias faziam fila para procurar parentes – desta vez no necrotério, onde as vítimas estavam reunidas aguardando identificação.
Na verdade, não foi preciso muito tempo para que o Iraque entrasse em um caos incitado pelos conflitos entre as diferentes crenças. Certamente esses tumultos existiam antes de 2003, e parecia lógico que a queda do presidente Saddam Hussein conduziria a um reequilíbrio do poder em favor da maioria xiita1. Mas a compreensão bastante superficial das tensões existentes por parte de Washington contribuiu para atiçá-las. Os Estados Unidos, de fato, viram no partido Baas uma nova versão do partido nazista e o associaram, erroneamente, ao conjunto dos sunitas, classificados como “inimigo” – uma decisão que teve como consequência transformar rapidamente esta falsa hipótese em realidade.
Além disso, a presença das tropas de ocupação americanas impediu a implantação de um governo com uma real legitimidade popular. Ela agravou as relações entre as crenças quando grupos – essencialmente sunitas – em luta contra a presença estrangeira entraram em conflito com aqueles que acusavam de serem favoráveis a ela. Instalou-se um clima de anarquia generalizada, ao qual nem o poder iraquiano nem Washington puderam fazer frente. Após um período de pilhagem frenética, o vazio foi preenchido por homens armados, alguns usando turbantes de religiosos xiitas, outros lenços da resistência, mas que para muitos simplesmente pertenciam a bandos criminosos.
No mundo muçulmano, a mesquita sempre exerceu um papel de dimensões religiosas, sociais e políticas. Ecoando cinco vezes por dia pelos bairros, o chamado para a oração regula o ritmo do cotidiano e o ciclo da vida. Nesse local, os fiéis se reúnem para rezar, aprender, falar e se mobilizar; o sermão da sexta-feira, ou khoutba, é muitas vezes um apelo à ação; e, quer se trate de questões religiosas ou de assuntos internacionais, o imã que dirige a oração expõe os problemas referentes à comunidade. Nos Estados autoritários, é também do alto do minbar (o púlpito onde o religioso fala a seus fiéis) que se fazem ouvir as raras vozes que propõem uma alternativa ao discurso oficial. Foi assim que no Iraque, após a queda do Estado, a mesquita tornou-se a instituição mais importante do país, cumprindo a função de unir as comunidades: primeiro, garantindo os serviços sociais; em seguida, transformando-se ao mesmo tempo em depósito de armas, local de informação e ponto de reunião.
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