Opinião

Lula fala, Chávez faz

Editorial do Estadão
No Brasil, o presidente Lula diz que fica triste quando os jornalistas, tendo o direito de escrever a coisa certa, escrevem a coisa errada. Na Venezuela, o seu companheiro Hugo Chávez não perde o seu tempo se entristecendo com os meios de comunicação que escrevem a coisa errada - críticas ao seu regime autoritário - e não a coisa certa - louvação a quem está no poder. Levando às últimas consequências o desgosto do brasileiro com a imprensa que, segundo ele, tem o direito de falar bem do governo, Chávez castiga duramente aqueles que ainda tentam preservar o direito de falar sobre o que entendem ser a verdade dos fatos no país.

No fim da semana passada, Guillermo Zuloaga, presidente da única emissora venezuelana de TV que ainda critica o chavismo, a Globovisión, disse uma singela verdade ao participar de uma reunião da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em Aruba. "Não se pode falar de liberdade de expressão em um país quando o governo usa a força para fechar meios de comunicação." Foi o quanto bastou para Chávez atiçar contra ele o Legislativo e o Judiciário, ambos sob o estrito controle do Palácio Miraflores. A Assembleia Nacional, fazendo a parte que lhe cabe no amordaçamento aos opositores do regime, pediu que Zuloaga fosse processado por "tentar criminalizar e prejudicar a imagem do governo constitucional e democrático". E assim se fez.

É importante observar, a propósito, que uma ditadura não se faz apenas com a subordinação das instituições de Estado aos interesses do ditador. Na Venezuela, onde "há democracia até demais", no entender de Lula, o código penal foi reescrito para servir ao liberticídio. E foi invocado pela procuradora-geral da República, Luisa Ortega Díaz, para a ação contra Zuloaga. Nele se lê, textualmente: "Todo indivíduo que por meio de informações falsas difundidas por qualquer veículo impresso, radial, televisivo, telefônico, por correio eletrônico ou textos panfletários que causem pânico à coletividade, ou mantenha um clima de inquietação, será castigado com prisão de 2 a 5 anos."

A mesma procuradora chavista mandou prender Zuloaga quando, na quinta-feira, ele ia embarcar para a ilha caribenha de Bonaire, onde pretendia passar os feriados da Páscoa. Medida cautelar o tirou, provisoriamente, de trás das grades, mas não lhe devolveu o direito de viajar. "Não tenho nenhuma intenção de deixar a Venezuela", afirma. Motivos para tanto, ele os teria de sobra. Nos últimos anos, a Globovisión vem sendo alvo de uma brutal ofensiva de intimidação, que se acentuou com a campanha de extermínio do jornalismo independente no país, deflagrada em maio de 2007. À época, o autocrata de Caracas decidiu não renovar a concessão para transmissão por sinal aberto da RCTV, a de maior audiência no país, por suas críticas à ordem bolivariana.

Passados 2 anos, não bastassem a abertura de 6 inquéritos contra a Globovisión, por alegada incitação a protestos, terrorismo e tentativas de golpe de Estado (sic), e as bombas de gás lançadas por militantes chavistas na sede da emissora, o seu líder foi absolutamente claro a respeito de suas intenções. "Isso (a Globovisión) vai acabar ou deixo de me chamar Hugo Chávez Frías", fulminou. O acirramento da repressão na Venezuela - essa semana foram detidos 3 opositores, entre eles um deputado chavista dissidente - parece ter relação direta com a deterioração das condições de vida no país, em crise de energia, abastecimento errático, inflação elevada e criminalidade incontida. E em setembro haverá eleições para a renovação da Assembleia Nacional.
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