Coisa de pilotos



Era o fim de uma tarde de verão, quente, seca, com térmicas fortíssimas. Dia de voar planadores em Jundiaí. No ar apenas dois, um Discus e um Jantar 3, eu voava o Discus, na época, princípio dos anos 90, o estado da arte dos planadores. O vôo tinha sido bom, eu estava no ar há mais de cinco horas, era tempo de voltar. Quando tomei tal decisão me encontrava sobrevoando um reflorestamento entre Bragança Paulista e Campinas. Resolvi gastar a energia potencial acumulada num vôo de contemplação, tomei o rumo de Jundiaí com a intenção de economizar altura até o último momento. Cansado, movi o corpo, estiquei os braços e a coluna para ativar a circulação. Nesse momento eu o vi. Exatamente sobre mim, talvez uns mil metros acima. Voava silencioso, deslizando a silhueta negra contra o azul dourado do céu poente. Demorei para perceber que era um ganso. Enorme, elegante, soberbo. Resolvi seguí-lo. Voava resoluto na direção de Itu. Sendo mais rápido descrevi uma curva ampla cuidando para não perdê-lo de vista, pois se acontecesse seria difícil o reencontro. Súbito passei por uma bolha ascendente, nossa diferença de cota diminuiu, como a térmica fosse constante e forte, resolvi rodar. Logo ganhei altura e tratei de procurar o misterioso “canard”. Depois de um cuidadoso 360º perscrutando o horizonte, lá estava ele, ligeiramente abaixo e distante, no limite da visão 20/20. Empurrei suavemente o manche e a velocidade se fez presente, quando alcancei o majestoso viajante solitário estávamos exatamente na mesma altura. Cuidadosamente me coloquei na sua ala. Durante alguns instantes nossos olhares se cruzaram, houve uma certa cumplicidade, eu queria saber de onde ele vinha, para onde ia, ele pareceu surpreso com o tamanho do intruso curioso e branco. Infelizmente eu era mais rápido, a tentativa de voar lado a lado me fez estolar. Quando recuperei ele estava ligeiramente acima. Tornei a rodar e me colocar na ala para fazer uma coordenação de despedida antes de retomar o rumo de Jundiaí, onde ainda voei por quase uma hora na encosta da Serra do Japi. Podem duvidar, mas quando me despedi tive a certeza de ter visto o meu novo amigo respondendo. Um piloto não se furtaria à gentileza.
Este texto é em homenagem aos meus amigos Fernando de Almeida e Tadeu, pilotos gentis que decolaram cedo.

Sidney Borges

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