Opinião

O êxito da LRF

Editorial do Estadão
Dez anos depois de sua sanção, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está consolidada como um marco no controle das finanças públicas. Trata-se de uma das mais importantes inovações na administração pública brasileira em muitos anos e seus resultados são altamente positivos para a população, embora alguns de seus pontos ainda careçam de regulamentação e outros possam ser melhorados.

Sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso no dia 4 de maio de 2000, a LRF (Lei Complementar n.º 101) impôs um novo padrão de gestão na administração pública. Complementada pela Lei dos Crimes Fiscais, forçou a mudança de velhos costumes políticos, como os gastos exagerados sem a previsão da respectiva receita, sobretudo em período eleitoral, e o endividamento irresponsável, com a transferência da responsabilidade do pagamento para os sucessores e para as gerações futuras.

Sua elaboração foi precedida de outras importantes mudanças na administração pública, provocadas pela crise financeira dos Estados e pela quebradeira dos bancos estaduais, que, depois do Plano Real (de 1994), perderam a receita inflacionária e não puderam mais continuar financiando despesas irresponsavelmente autorizadas pelos governadores. Os Estados foram salvos financeiramente pela União, que renegociou suas dívidas diversas vezes. A última grande renegociação com os Estados levou o Tesouro Nacional a assumir mais de R$ 100 bilhões de dívidas estaduais, refinanciadas em até 30 anos.

A contrapartida, além da privatização de bancos e empresas estaduais, foi a adoção de medidas de austeridade pelos Estados. A etapa seguinte foi a elaboração e a aprovação ? com os votos contrários da oposição, então formada pelo PT, PC do B e PSB ? da LRF, que impõe limites para os gastos com pessoal nos três níveis de governo e nos Três Poderes; proíbe bancos públicos de financiar seus controladores; limita a dívida do setor público; e, entre outros princípios, estabelece que novas despesas só podem ser criadas se estiverem previstas as receitas correspondentes.

Um número que mostra o efeito da LRF sobre a gestão das finanças públicas é o do superávit primário dos Estados e municípios, que, em 1999, correspondia a 0,20% do PIB e, dez anos depois, atingiu 0,67% do PIB.

Mas, rigorosa com os Estados e municípios, a LRF não tem produzido efeitos semelhantes nas contas da União. O superávit primário do governo federal correspondia a 2,13% do PIB em 1999, subiu para 2,75% em 2004, mas vem caindo desde então, tendo fechado o ano passado com 1,35% do PIB.

A fixação do limite para os gastos com pessoal chamou a atenção da sociedade para o problema do custo crescente do funcionalismo, mas a prática mostrou que esse limite é muito frouxo. No caso da União, por exemplo, o teto para gastos com pessoal é de 50% da receita corrente líquida, mas, com o contínuo crescimento da arrecadação tributária, as despesas com o funcionalismo cresceram rapidamente, sem ferir a LRF.

Além disso, o governo Lula utiliza brechas da LRF para gastar cada vez mais. A decisão de abater recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta fiscal de 2011 reduz artificialmente as despesas da União. A contratação de serviços diretamente com fornecedores, para pagamento no exercício seguinte, não entra no cômputo das despesas do próprio exercício, o que mascara os resultados fiscais. "Do jeito que ficou, não tem mais meta", disse ao Estado o economista José Roberto Afonso, um dos responsáveis pela elaboração da LRF.

Por isso, são necessárias novas medidas para melhorar o controle do uso do dinheiro público. É preciso aprovar projetos que complementam a LRF, como o que prevê a criação do Conselho de Gestão Fiscal e limita a dívida da União (só as dívidas dos Estados e municípios têm teto).
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