Opinião

Esse insano mundo do nosso transporte

Washington Novaes
Cada vez que se conhece um novo estudo sobre o transporte na Região Metropolitana de São Paulo cresce a perplexidade. E não foi diferente com o caderno especial Origem/Destino, publicado por este jornal em 3 de abril, abrangendo 59 municípios numa pesquisa que consultou 90 mil pessoas. Vê-se ali que o tempo consumido pelos deslocamentos cresce a cada investigação (está, na média, em 70 minutos por pessoa, 10 minutos mais que uma década antes). O deslocamento mais frequente é a pé (12,6 milhões de viagens/dia), mais do que em ônibus (9 milhões de viagens/dia) e trens (10,4 milhões). O número de motos cresceu 388% em uma década (145.651 para 710.638). Trabalho (44,5% das viagens) e educação (34%) são as maiores causas de deslocamentos.


A perplexidade cresce diante dos custos crescentes e da ausência de alternativas nas políticas públicas. No caderno, estudo de Marcos Fernandes, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que, com o número de horas consumido nos deslocamentos, em 30 anos uma pessoa com salário de R$ 5,7 mil por mês terá desperdiçado R$ 3,5 milhões; outra, com salário de R$ 760, perderá o equivalente a R$ 1,5 milhão. E cada vez mais pessoas deslocam-se em automóveis - em 1997 eram principalmente as que ganhavam mais de R$ 3.040 e, 10 anos depois, passaram a abranger as que ganham a partir de R$ 1.520 - mas com um tempo de percurso cada vez maior, porque nesse período a frota de carros particulares passou de 3,09 milhões para 3,60 milhões, mais 509 mil veículos, ou 50,9 mil por ano, ou cerca de 200 carros novos licenciados a cada dia. Nesse espaço de tempo, a população da área aumentou de 16,79 milhões para 19,53 milhões. Os veículos coletivos respondem por 55% do transporte e os automóveis por 30%.

Mais de uma vez já se citou neste espaço o estudo do especialista Nelson Choueri, que há alguns anos calculou que, com o tempo consumido nos deslocamentos em São Paulo, perdem-se 165 vidas úteis por dia (em horas de trabalho) ou cerca de 50 mil por ano, que valem (pelo salário médio) R$ 14,4 bilhões anuais. Se esse valor pudesse ser convertido em investimentos, eles seriam suficientes para em duas décadas implantar o metrô em toda a cidade.

Outro especialista, Adriano Murgel Branco, ex-secretário de Transportes do Estado, ao receber em 2008 o título de "engenheiro eminente", do Instituto de Engenharia, afirmou que na região metropolitana os "prejuízos socioambientais" no trânsito e no transporte em geral vão de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano ("um orçamento municipal a cada ano"). E em 50 anos o total chegaria a US$ 1 trilhão, uns 75% do PIB brasileiro. Cáspite!

E não é só. As pessoas consomem 20% de seu tempo "útil" no transporte. O rendimento energético de um veículo individual não passa de 30% - o restante perde-se como calor. O deslocamento de uma pessoa por automóvel consome 26 vezes mais energia que o mesmo percurso em metrô. Mas deste só se construíram, em média, 1,5 quilômetro por ano em quatro décadas. E esse não é o único desperdício: 93% das cargas no Estado de São Paulo são transportadas por caminhões - quando o transporte ferroviário, cada vez mais sucateado, é algumas vezes mais barato -, que em média têm 20 anos de uso, sem inspeção veicular, e são conduzidos por motoristas que trabalham de 20 a 30 horas seguidas. Por essas e outras, a Associação Nacional de Transportes Públicos tem clamado que na cidade de São Paulo o transporte já ocupa mais de 50% do espaço total, somando ruas, avenidas, praças, garagens e estacionamentos. O que deveria ser meio passa a ser fim em si mesmo.
Leia mais

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu