Opinião

Desperdício público

Editorial do Estadão
Desde que foi criada, há um ano e meio, por meio de medida provisória e ao gasto anual de mais de R$ 350 milhões, em lugar de transformar-se num modelo exemplar de "televisão pública" - como alardeava o governo, sem nunca ter explicado direito o que diferenciava esse modelo de todas as emissoras e redes de televisão em funcionamento no País -, a TV Brasil tornou-se um caso exemplar de desperdício de dinheiro público. Em termos de audiência a televisão oficial do governo federal virou uma "campeã do traço", que é outro jeito, no campo da comunicação eletrônica de massa, de referir-se a um retumbante fracasso. A demissão, em fins de abril, do diretor de Programação e Conteúdo, Leopoldo Nunes - que acarretou o afastamento de mais três funcionários com função de gerência -, apenas aumentou a forte onda de defecções na empresa, haja vista o fato de em um ano e pouco a TV Brasil já ter perdido mais da metade de seus conselheiros originais (de 15 saíram 8) e do atual presidente do seu conselho curador, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, já ter anunciado que deixará o cargo.

Curioso é que, quando exonerou o diretor de Programação e Conteúdo - "coincidentemente" depois que esse diretor fez críticas à gestão da emissora em site de uma revista -, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), administradora do canal, em nota oficial informou que se tratava de "mudança administrativa em busca de avanços na consolidação da TV Pública", e que "na vida das instituições todas as pessoas passam, o que deve ficar é a experiência acumulada, a credibilidade pública e a solidez institucional". Bem, é verdade que as pessoas passam, mas também não precisam passar tão depressa, pois, sendo assim, como se formará a "experiência acumulada"? Quanto à credibilidade pública, espera-se que ela nada tenha que ver com índices de audiência - ou seja, que prevaleça o paradoxo de "acreditar-se no que não se vê", sob pena de essa credibilidade também virar traço. E como falar de "solidez institucional" de uma instituição fracassada e sob alta rotatividade funcional?

Logo que foi anunciada a criação dessa TV Pública - que então ganhou o apelido de TV Lula -, criticava-se a possibilidade de o governo interferir fortemente no sistema de comunicação eletrônica de massa do País, transformando-o em instrumento de publicidade oficial ou de propaganda eleitoral. Esse temor se justificava porque em alguns Estados brasileiros - especialmente atrasados - tem prevalecido o que se costuma chamar de "coronelismo eletrônico", que controla por novos métodos os "currais eleitorais". Em lugar dos senhores rurais, fazendeiros ou latifundiários que impunham rudemente seu mando a populações carentes e desinformadas, surgiram, exercendo a mesma imposição, os "coronéis" donos de jornais e, sobretudo, de estações de rádio e de televisão. Indagava-se então: será que a TV Brasil vai ser apenas um instrumento de propaganda do governo federal? Mas esse temor até perdeu o sentido, pois pouco alteraria, em termos de equilíbrio democrático de forças políticas em disputa eleitoral, uma "propaganda oficial" escassamente vista pela audiência.
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