Opinião

À procura de escuridão

Washington Novaes
Quem já viajou de barco à noite por rios e igarapés da Amazônia, perto da linha do Equador - onde brilham no céu estrelas dos dois hemisférios -, sabe o que é a sensação de uma noite realmente escura e de um céu estrelado. O autor destas linhas teve o privilégio de, num barco atracado no Rio Andirá, a algumas centenas de metros de uma aldeia indígena, botar a cabeça para fora da janelinha, ao lado do beliche em que dormia, e ter a sensação de que o mundo era feito só de estrelas - no céu e refletidas nas águas quase imóveis do rio. Sensação semelhante de deslumbramento descreve em seu livro Diversidade da Vida o biólogo Edward O. Wilson, maravilhado com a escuridão da floresta amazônica e as mudanças que ali se processam quando o Sol se esconde e a vida passa a ser regida por seres adaptados à ausência de luz solar, capazes de se orientar pelo olfato, pelo tato, por sensibilidade magnética e outros caminhos.

É uma possibilidade cada vez mais rara num universo que se urbaniza rapidamente - hoje mais de metade da humanidade vive em áreas urbanas e assim será cada vez mais, principalmente com a transferência de centenas de milhões de pessoas para as cidades, na China, na Índia e outros lugares. Sem falar que mais 2 bilhões de pessoas se somarão à população até meados do século. No Brasil mesmo, mais de 80% das pessoas já estão nas cidades, da mesma forma que em toda a América Latina. E isso significa mais problemas, como já observava em 1996 a conferência mundial Habitat II, ao chamar a atenção para o risco de insustentabilidade na qualidade de vida das pessoas, que já exigia "pensar na alternativa de trocar a estratégia de "lugar de consumo" pela "de consumo de lugar". Pássaros e outras espécies também sofrem na busca de alimentos e processos reprodutivos.

Na década de 90, o antropólogo espanhol Julio Baroja já dizia que "a grande cidade começa por nos roubar o essencial: o som dos nossos passos e a visão da nossa própria sombra". Tem toda a razão. Mas a esse pensamento muitos cientistas acrescentam agora outra perda: a da visão do escuro e do céu estrelado. A tal ponto que já se formam instituições - como a International Dark-Sky Association, no Arizona, EUA, que promove visitas a parques escuros, ou a Associação Internacional do Céu Noturno, que reúne 12 mil astrônomos de 75 países - empenhadas em preservar a visão do céu e das estrelas. Em Reykjavik, capital da Islândia, há poucos meses ocorreu o "dia sem luz artificial", 24 horas em que nenhuma luz nos edifícios, nos veículos ou nas ruas foi acesa.
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