Opinião
A manchete errada
Demétrio Magnoli
"Eleito o primeiro presidente negro na história dos EUA." Fora um evento dramático, Barack Obama vencerá as eleições da próxima terça-feira e os jornais - nos EUA, aqui, no mundo - estamparão variações desse tema nas suas manchetes de capa. A manchete óbvia é, contudo, a manchete errada. Obama não será um "presidente negro" e não seria nunca o "primeiro", título que pertence ao branco Bill Clinton, conferido a ele pela escritora negra Toni Morrison.
Semanas atrás, imaginando que o microfone estivesse desligado, o líder negro democrata Jesse Jackson confessou numa entrevista sua vontade de "capar" o candidato de seu partido. Jackson emergiu na cena política como discípulo de Martin Luther King, ao lado de quem estava no fatídico 4 de abril de 1968. Depois do assassinato do homem que tinha um sonho, o possível sucessor substituiu o discurso da igualdade pelo da diferença e converteu-se no pólo de articulação das políticas de discriminação reversa no Partido Democrata. Seu desejo de extirpar a masculinidade de Obama deriva do que escreveu o senador por Illinois: "Eu não acredito em políticas baseadas na raça."
Não foi Jackson, nem o Partido Democrata, quem deflagrou as modernas "políticas baseadas na raça" nos EUA, mas o presidente republicano Richard Nixon, com uma série de ordens executivas emitidas entre 1969 e 1971. Essas diretivas usaram pela primeira vez a expressão "ação afirmativa" com o significado de discriminação reversa. Elas desdobraram o discurso do "black capitalism", de outubro de 1968, no qual Nixon anunciou um programa de preferências raciais na contratação de empresas pelo governo federal. Dali em diante, as políticas raciais transformaram-se em algo como um consenso bipartidário e numa ferramenta de acesso ao eleitorado negro.
Clinton, o "primeiro presidente negro", sustentou as preferências raciais diante de veredictos da Corte Suprema e de um movimento crescente de opinião pública contrários à doutrina de que as pessoas devem ser avaliadas pela cor da sua pele. Obama representa uma ruptura com essa doutrina e uma retomada do fio perdido desde o assassinato de Martin Luther King. Ele só é negro se descontarmos a sua posição política - ou se acreditarmos no mito da raça até o ponto extremo de descartar a identidade que ele mesmo proclama.
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Demétrio Magnoli
"Eleito o primeiro presidente negro na história dos EUA." Fora um evento dramático, Barack Obama vencerá as eleições da próxima terça-feira e os jornais - nos EUA, aqui, no mundo - estamparão variações desse tema nas suas manchetes de capa. A manchete óbvia é, contudo, a manchete errada. Obama não será um "presidente negro" e não seria nunca o "primeiro", título que pertence ao branco Bill Clinton, conferido a ele pela escritora negra Toni Morrison.
Semanas atrás, imaginando que o microfone estivesse desligado, o líder negro democrata Jesse Jackson confessou numa entrevista sua vontade de "capar" o candidato de seu partido. Jackson emergiu na cena política como discípulo de Martin Luther King, ao lado de quem estava no fatídico 4 de abril de 1968. Depois do assassinato do homem que tinha um sonho, o possível sucessor substituiu o discurso da igualdade pelo da diferença e converteu-se no pólo de articulação das políticas de discriminação reversa no Partido Democrata. Seu desejo de extirpar a masculinidade de Obama deriva do que escreveu o senador por Illinois: "Eu não acredito em políticas baseadas na raça."
Não foi Jackson, nem o Partido Democrata, quem deflagrou as modernas "políticas baseadas na raça" nos EUA, mas o presidente republicano Richard Nixon, com uma série de ordens executivas emitidas entre 1969 e 1971. Essas diretivas usaram pela primeira vez a expressão "ação afirmativa" com o significado de discriminação reversa. Elas desdobraram o discurso do "black capitalism", de outubro de 1968, no qual Nixon anunciou um programa de preferências raciais na contratação de empresas pelo governo federal. Dali em diante, as políticas raciais transformaram-se em algo como um consenso bipartidário e numa ferramenta de acesso ao eleitorado negro.
Clinton, o "primeiro presidente negro", sustentou as preferências raciais diante de veredictos da Corte Suprema e de um movimento crescente de opinião pública contrários à doutrina de que as pessoas devem ser avaliadas pela cor da sua pele. Obama representa uma ruptura com essa doutrina e uma retomada do fio perdido desde o assassinato de Martin Luther King. Ele só é negro se descontarmos a sua posição política - ou se acreditarmos no mito da raça até o ponto extremo de descartar a identidade que ele mesmo proclama.
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