Opinião

Os contrastes na largada

Editorial do Estadão
As despedidas da ministra Dilma Rousseff e do governador José Serra, além da fala do presidente Lula aos 10 ministros de Estado que se afastavam para participar das eleições de outubro, foram em geral o que se poderia esperar dessa abertura não declarada da corrida ao Planalto: uma ocasião em que os candidatos flexionam os músculos para a temporada que, pela barroca legislação eleitoral brasileira, só deveria começar em junho, quando os seus nomes tiverem sido formalmente aprovados pelos respectivos partidos.


Foi também uma oportunidade para os contendores testarem os bordões de suas campanhas. Dilma investiu contra os "viúvos do Brasil que crescia pouco", reiterando que a sua prioridade será "mostrar as realizações dos dois governos", como se Serra fosse em relação a Fernando Henrique o que ela é de Lula - uma emanação. O tucano, por sua vez, lançou o bordão "Vamos juntos, o Brasil pode mais", o tipo do traje publicitário que veste bem qualquer candidato em qualquer eleição, mas, ainda assim, contém uma promessa de superação e uma oferta de competência - reconhecida, aliás, até por adversários.

Descontem-se, em todo caso, os aspectos plastificados dos rituais da quarta-feira, em Brasília e em São Paulo. A substância que deles emerge é o contraste entre os candidatos - posto em evidência por ninguém menos do que o patrono de um deles. No seu discurso em que, para variar, criticou a imprensa, além de enveredar por uma digressão "extra-agenda" sobre a política externa brasileira para o Oriente Médio, Lula deixou escapar que ele praticamente forçou Dilma a concorrer ao que chamou, para não tornar a transgredir a lei, "um cargo talvez até melhor do que a Casa Civil". Ela, exagerou o presidente, era a única de seus ministros a não aspirar à sua sucessão.

Julgue-se como se queira o currículo, as ideias e o estilo de Serra, dele é impossível dizer que é um candidato fabricado ou que não tenha vida própria. A sua segunda tentativa de alcançar o Planalto, assim como a anterior, é um momento natural de uma longa trajetória política e de desafios eleitorais, vencidos uns, perdidos outros. Do outro lado da barricada, já não bastasse Lula assumir o óbvio - a paternidade da candidatura Dilma -, ela própria se incumbiu de apresentar-se como uma sombra apenas de seu criador, a quem citou, direta ou indiretamente, 67 vezes em sua fala.

"Com o senhor, presidente Lula, aprendemos a ser corajosos", entoou em dado momento. "O povo brasileiro sempre acredita no futuro. O senhor nos ensinou a construí-lo", desdobrou-se. Disse ainda que todos os que fizeram parte da era Lula, "deixam o governo melhor do que entraram". Esse abandono ao que em outros tempos se denominaria "culto à personalidade" faz pensar que o problema do País, sob uma eventual presidência Dilma, não serão os maus modos com que tenderá a tratar a sua equipe, a julgar pelo retrospecto, nem a sua confrangedora carência de carisma, mas o seu desvalimento, na ausência do chefe e patrocinador. Sua tarefa, como já afirmou, será a de "manter o Brasil nas suas mãos".
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