Opinião

O feito de Lula em Teerã

Editorial do Estadão
No seu discurso de posse, em 20 de janeiro de 2009, o presidente americano, Barack Obama, estendeu a mão "aos que estiverem dispostos a abrir o punho". Referia-se, naturalmente, ao Irã, com quem os Estados Unidos estão rompidos desde a Revolução Islâmica de 1979 e cujo programa nuclear Washington (e não só) tem certeza de que se destina à produção da bomba atômica. Dezesseis meses depois, o Irã apertou a mão do Brasil e da Turquia.

Depois de extenuantes negociações que vararam o domingo, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, o seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em visita ao país, o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, que viajou às pressas, e os chanceleres das três nações fizeram-se fotografar ontem de mãos alçadas para celebrar um acordo que põe em xeque o esforço americano para aprovar no Conselho de Segurança (CS) da ONU uma quarta rodada de sanções contra o Irã.

Os Estados Unidos e os seus aliados europeus defendem a adoção das novas punições pela recusa iraniana a abrir as suas atividades nucleares à plena fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e por manter - apesar da proibição do Conselho de Segurança - o seu programa de enriquecimento de urânio a índices mais altos do que os necessários para emprego civil. Nada disso, nem o temido programa, muda com o acordo - que tem um escopo muito limitado -, mas o quadro mudou de figura.

Em outubro passado, negociadores iranianos acertaram com o Grupo de Viena (Estados Unidos, França, Rússia e a AIEA) um esquema pelo qual Teerã entregaria à Rússia cerca de dois terços dos seus estoques de urânio enriquecido a 3,5%, ou 1.200 quilos. Os russos o enriqueceriam a 20% e os franceses, em seguida, acondicionariam o material para ser usado em reator de pesquisa, com finalidades medicinais. A troca levaria um ano - um dos motivos invocados no começo do ano pelo Irã para desistir do negócio.

O país tem um histórico de aceitar propostas apenas para ganhar tempo e confundir os interlocutores. Nesse caso, porém, Teerã parecia recear que a França não cumpriria o trato. Eis por que Ahmadinejad exigiu que a troca fosse simultânea, condição inaceitável para o Ocidente. Afinal, o objetivo da operação era reduzir os volumes de material físsil em poder do Irã, retardando, portanto, o seu suposto projeto militar atômico.

A partir daí, os Estados Unidos se concentraram em persuadir os membros recalcitrantes do Conselho de Segurança, a começar da Rússia e China, de que as sanções haviam se tornado a única saída. Detentor de um lugar temporário no principal colegiado da ONU, o Brasil tomou a polêmica decisão de se opor enfaticamente aos castigos enquanto não se esgotassem as iniciativas diplomáticas. No papel de mediador de que se investiu, o presidente Lula chegou a se comportar como advogado de Ahmadinejad.

Se o futuro não o desmentir, a tenacidade de Lula vingou. Sob a acusação de servir aos iranianos para ludibriar a comunidade internacional - em nome de irrealistas ambições de liderança global, na contramão das posições dos Estados Unidos -, o governo brasileiro, com a crucial participação da Turquia, reviveu o arranjo do Grupo de Viena. O Irã depositará no vizinho país, no prazo de um mês, 1,2 tonelada de urânio levemente enriquecido. Em até 1 ano, receberá da Rússia e da França 120 quilos de urânio a 20%. Ou a Turquia devolverá o material sob a sua guarda.

"Foi uma resposta de que é possível, com diálogo, a gente construir a paz", exultou Lula. Washington, no entanto, alega que, de outubro para cá, os estoques iranianos declarados cresceram. O que então representava dois terços do urânio a ser embarcado equivale atualmente a pouco mais da metade. Mas esse não é o ponto mais importante da questão. O fato é que o Irã continuará enriquecendo urânio sem as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica, em circunstâncias que indicam a intenção de fazer a bomba.
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