Opinião
Anistia aos fichas-sujas
Editorial do Estadão
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), não precisa se preocupar. Depois de manobrar, inutilmente, para impedir a votação do Projeto Ficha Limpa "a toque de caixa", alegando que a proposta nem sequer era do governo, "mas da sociedade", ele teve uma reação característica quando, na quarta-feira, a proposta passou na Casa pelo voto unânime dos 76 senadores presentes, decerto a contragosto em diversos casos.
Jucá disse que o texto restringindo as candidaturas de condenados por um colegiado de juízes em razão de uma série de delitos especificados - eles só poderão disputar eleições 8 anos depois de cumprir a pena - precisará ser aperfeiçoado porque "ainda é muito genérico, pode cometer injustiças e não pegar quem tem que pegar". De fato, não pegará de imediato quem tem de pegar, embora o que ele e a sociedade entendam por isso decerto não seja a mesma coisa.
E não deverá pegar tão logo quanto a sociedade gostaria por causa de uma daquelas malandragens em que os políticos são especialistas. A esperteza contrasta com a euforia do veterano senador gaúcho Pedro Simon, da ala limpa do PMDB. Para ele, graças à aprovação final do projeto de iniciativa popular - apresentado com 1,6 milhão de assinaturas, a que aderiram pela internet outros 3,4 milhões de pessoas -, o Brasil deixava anteontem mesmo de ser conhecido como o país da impunidade.
O golpe se deu quando a Comissão de Constituição e Justiça examinava o texto aprovado na Câmara. O senador Francisco Dornelles, do PP fluminense, aproveitou o momento para introduzir uma "emenda de redação", alterando os tempos verbais em 5 artigos da proposta. Assim, onde constava que não poderiam se candidatar os políticos que "tenham sido condenados", passou a se ler "forem condenados". Ou seja, forem condenados depois da sanção da lei, o que se espera que aconteça até o início de junho.
A "emenda Maluf", como merece ser chamada, e não apenas por ser o deputado colega de sigla de Dornelles, anistia os fichas-sujas que conseguiram se eleger quando se entendia que a proibição somente poderia alcançar aqueles cuja condenação tivesse transitado em julgado. É, notoriamente, mas não exclusivamente, o caso do ex-prefeito Paulo Maluf. Mesmo que a Justiça decida que a lei valerá já para as próximas eleições - o assunto divide os juristas -, ele e outros políticos intrépidos, condenados em mais de uma instância, terão preservado o direito de se candidatar.
Das 4 condenações aplicadas a Maluf por órgãos judiciais colegiados, uma trata de delitos previstos no Projeto Ficha Limpa - que inclui crimes eleitorais, contra a economia popular, a administração, o patrimônio público e o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes, homicídio, estupro e crimes ambientais graves. Políticos que renunciarem ao mandato para não ser cassados também ficarão inelegíveis. No caso que interessa, Maluf foi obrigado a devolver aos cofres públicos o valor gasto com uma compra, considerada superfaturada, de frangos congelados.
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Editorial do Estadão
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), não precisa se preocupar. Depois de manobrar, inutilmente, para impedir a votação do Projeto Ficha Limpa "a toque de caixa", alegando que a proposta nem sequer era do governo, "mas da sociedade", ele teve uma reação característica quando, na quarta-feira, a proposta passou na Casa pelo voto unânime dos 76 senadores presentes, decerto a contragosto em diversos casos.
Jucá disse que o texto restringindo as candidaturas de condenados por um colegiado de juízes em razão de uma série de delitos especificados - eles só poderão disputar eleições 8 anos depois de cumprir a pena - precisará ser aperfeiçoado porque "ainda é muito genérico, pode cometer injustiças e não pegar quem tem que pegar". De fato, não pegará de imediato quem tem de pegar, embora o que ele e a sociedade entendam por isso decerto não seja a mesma coisa.
E não deverá pegar tão logo quanto a sociedade gostaria por causa de uma daquelas malandragens em que os políticos são especialistas. A esperteza contrasta com a euforia do veterano senador gaúcho Pedro Simon, da ala limpa do PMDB. Para ele, graças à aprovação final do projeto de iniciativa popular - apresentado com 1,6 milhão de assinaturas, a que aderiram pela internet outros 3,4 milhões de pessoas -, o Brasil deixava anteontem mesmo de ser conhecido como o país da impunidade.
O golpe se deu quando a Comissão de Constituição e Justiça examinava o texto aprovado na Câmara. O senador Francisco Dornelles, do PP fluminense, aproveitou o momento para introduzir uma "emenda de redação", alterando os tempos verbais em 5 artigos da proposta. Assim, onde constava que não poderiam se candidatar os políticos que "tenham sido condenados", passou a se ler "forem condenados". Ou seja, forem condenados depois da sanção da lei, o que se espera que aconteça até o início de junho.
A "emenda Maluf", como merece ser chamada, e não apenas por ser o deputado colega de sigla de Dornelles, anistia os fichas-sujas que conseguiram se eleger quando se entendia que a proibição somente poderia alcançar aqueles cuja condenação tivesse transitado em julgado. É, notoriamente, mas não exclusivamente, o caso do ex-prefeito Paulo Maluf. Mesmo que a Justiça decida que a lei valerá já para as próximas eleições - o assunto divide os juristas -, ele e outros políticos intrépidos, condenados em mais de uma instância, terão preservado o direito de se candidatar.
Das 4 condenações aplicadas a Maluf por órgãos judiciais colegiados, uma trata de delitos previstos no Projeto Ficha Limpa - que inclui crimes eleitorais, contra a economia popular, a administração, o patrimônio público e o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes, homicídio, estupro e crimes ambientais graves. Políticos que renunciarem ao mandato para não ser cassados também ficarão inelegíveis. No caso que interessa, Maluf foi obrigado a devolver aos cofres públicos o valor gasto com uma compra, considerada superfaturada, de frangos congelados.
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