Opinião

Virada de página no Chile

Editorial do Estadão
O triunfo eleitoral da centro-direita no Chile, cujo candidato presidencial, o magnata Sebastián Piñera, bateu o situacionista Eduardo Frei por 4 pontos no segundo turno da sucessão da presidente Michelle Bachelet, fecha um ciclo de 20 anos na vida política do país. Mas não representa de modo algum uma ruptura com os fundamentos que distinguem o Chile na paisagem da América Latina: democracia inquestionável, legitimidade institucional, vigorosa economia de mercado e programas sociais consolidados. Qualquer que venha a ser o futuro da Concertação, a aliança de centro-esquerda entre a Democracia-Cristã e o Partido Socialista construída em 1990 na passagem da tirania do general Augusto Pinochet para o regime democrático - e que, desde então, venceu as quatro sucessivas disputas para o Palácio de La Moneda -, o seu legado é invejável.

Depois de 17 anos de um dos mais abomináveis regimes de força que a região conheceu - em todos os idiomas, Pinochet se tornou sinônimo de ditador -, o Chile hoje se equipara ao que o mundo tem de melhor em matéria de civilidade política. Mas o prazo de validade da hegemonia da centro-esquerda expirou. Não porque o atual governo tenha fracassado ou seja um retrocesso - a presidente Bachelet desfruta de índices lulistas de aprovação, próximos de 80%. (O Chile proíbe a reeleição imediata.) Mas, apesar disso, a maioria dos votantes chilenos se cansou das mesmas caras, das mesmas falas e dos mesmos cacoetes dos dirigentes da Concertação, e das rivalidades entre eles, ultimamente agravadas por denúncias de corrupção.

As regras do jogo político chileno praticamente obrigam à formação de coligações eleitorais e governos de coalizão. O sistema favorece também a formação de estamentos políticos que tendem a se cristalizar em oligarquias, cimentadas, não raro, por laços de família.

O derrotado Eduardo Frei, por exemplo, conhecido por seu perfil insosso, já presidiu o Chile. O seu pai também. Ele e o pai de Piñera eram amigos e correligionários democrata-cristãos. A fadiga de material que levou à queda da Concertação ficou patente na divisão do bloco em três candidatos - um dos quais, o novato Marco Enríquez-Ominami, de 36 anos, 30 a menos do que Frei, apresentando-se como dissidente, obteve 20% dos sufrágios no primeiro turno. (Frei ficou com 29% e Piñera conquistou 44%.)

O esgotamento da fronda governista e a figura inapetente de Frei produziram dois resultados: de um lado, a apatia; de outro, a simpatia por Piñera, com sua imagem de empreendedor. Aos 60 anos, dono da companhia aérea LAN, de uma emissora de TV e do time de futebol mais popular no país, o Colo-Colo, o economista e senador pelo partido Renovação Nacional tem uma fortuna avaliada em US$ 1 bilhão, o que faz dele o 701º homem mais rico do mundo. A apatia foi especialmente acentuada entre os jovens. Entre eles, só 36% votaram no primeiro turno. (No Chile, o voto é obrigatório apenas para os que se registram como eleitores.) A simpatia por Piñera pesou entre os chilenos moderados e que não têm preconceitos contra enriquecer pelo trabalho. É verdade que em 2007 ele foi multado em US$ 700 mil por abuso de informação privilegiada na compra das ações da LAN. Na campanha, prometeu vendê-las, uma vez eleito.
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