Opinião

A cada minuto, 12 hectares áridos

Washington Novaes
O alarido em torno do "fracasso de Copenhague", na reunião da Convenção do Clima, impediu que a comunicação desse destaque a algumas discussões ali ocorridas, entre elas as que se referiam ao tema da desertificação e suas relações com mudanças climáticas (uma das causas centrais da desertificação progressiva no mundo, onde esse processo avança à razão de mais de 60 mil km2 por ano, 12 hectares por minuto). É pena.


Ainda na nona reunião da Convenção da ONU sobre Luta contra a Desertificação, realizada em Buenos Aires, no final de setembro e começo de outubro, ficou claro que a situação continua a agravar-se. Só para focar mais perto de casa, foi dito ali que a América Latina e o Caribe já têm 25% de terras áridas, semiáridas e subúmidas secas. E destas, 75% com sérios problemas de degradação por causa do clima e do mau uso. Argentina, México e Paraguai são os países com mais problemas. Mas o Brasil tem mais de 1 milhão de km2 envolvidos no processo, dos quais 180 mil no Semiárido nordestino e mineiro, em situação mais delicada. Ao todo são 1.482 municípios (15% do território nacional) e 32 milhões de pessoas.

Segundo a ONU, no mundo 2 bilhões de pessoas vivem em áreas com terras secas predominantes - 40% da superfície da Terra. Dessas, 325 milhões (40% da população total do continente) estão na África, onde o processo evolui mais rapidamente que em qualquer parte. Até 2025, diz a ONU, a seca pode atingir 70% do planeta. De 1990 para cá, cresceu 15% a área atingida. E quase nada se tem avançado no enfrentamento do problema, devido, além do clima, a desmatamento, mau uso e degradação do solo, urbanização em áreas antes férteis (em 40 anos um terço das terras de cultivo foi abandonado). E esse caminho é dos que mais contribuem para o crescimento do número de "migrantes ambientais", que já são 24 milhões hoje e poderão ser 200 milhões em 2050.

Entre nós a situação é mais grave nos 180 mil km2 e, nestes, em Irauçuba (CE), Seridó (PB), Gilbués (PI) e Cabrobó (PE). Na Paraíba, segundo estudo da Embrapa e da Unicamp, 66,6% das terras férteis foram comprometidas pelo processo de desertificação; no Ceará, 79,6%; no Piauí, 70,1%. Mas parte pode ser recuperada, com caminhos e métodos adequados. Só que dos R$ 49,4 milhões destinados a enfrentar o problema entre 2004 e 2009 apenas 20% foram utilizados (Congresso em Foco, 11/4/2009).

Mas há caminhos para enfrentar o problema, no mundo e aqui. Entre nós, felizmente, passou a prevalecer a visão de que é preciso trabalhar a questão não tentando "combater a seca", e sim adotando um programa de "convivência adequada" com o Semiárido e suas possibilidades. A propósito, o escritor Ariano Suassuna, que cria cabras em região árida, costuma dizer - e provavelmente por isso já foi citado aqui - que "enfrentar a seca criando um Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, como fizemos, é como criar um departamento de combate à neve na Sibéria". Tarefa impossível.

No campo da água, propriamente, o caminho mais indicado para abastecer as populações que vivem em pequenas comunidades isoladas, onde não chegam nem chegarão adutoras com águas de transposição, é o das cisternas de placas, que recebem a água de chuva canalizada nos telhados e a depositam em reservatórios de paredes cobertas por placas que impedem a infiltração na terra. Por esse caminho, na estiagem, uma cisterna pode abastecer com 20 litros diários de água cada uma das pessoas na casa - "uma bênção", como disse ao autor destas linhas uma mulher no interior de Pernambuco, erguendo as mãos para o céu. Já se construíram mais de 200 mil cisternas de placas e é preciso chegar a 1 milhão - mas, infelizmente, o grosso dos recursos no Semiárido vai para o programa de transposição de águas do São Francisco, que não as atenderá, já que mais de metade da água transposta irá para programas de irrigação de produtos destinados à exportação e outra grande parte, para reforço do abastecimento de água das cidades que, em média, perdem mais de 40% da que sai das estações de tratamento.
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