Viola no saco

Caro amigo Julinho

Josias Sabóia JIJA
Primeiro, quero dar-lhe os parabéns pelas suas escritas, como sempre muito bem colocadas. Agradeço por citar nosso posto de gasolina, onde você toma um café. Vou ter que lhe contar umas coisas, mas você não vai poder contar para ninguém. Como sei que você é uma pessoa séria, vai guardar este segredo.
Outro dia, fomos a um banco fazer um desconto de cheques para comprar combustível e operar o posto. Mandamos para o banco mais de 50 cheques de vários clientes de diversos valores. Para nossa supressa, nenhum foi descontado, pois, segundo o banco, todos tinham restrições.
Moral da história: ficamos com os cheques e sem combustível, pois os cheques não poderiam ser passados ao fornecedor.
Diante deste fato, fomos obrigados a passar uma ordem nova nos postos: não aceitamos mais cheques. Sem contar que neste ano batemos todos os recordes de recebimento de cheques sem fundos, de todos os bancos da praça.
Julinho, e as pessoas dão cheque e não conseguem pagar não é porque são nó cegas não! É porque não têm nem latinha pra catar na cidade; assim não têm como ganhar um extra.
Como eu, muitos são os comerciantes passando diversas necessidades. E olha que se eu recebesse os cheques sem fundos que tenho na minha gaveta, daria para quitar a grande maioria de minhas dívidas! Fora, meu amigo Julinho, as notinhas que muitas vezes fazemos para receber depois, e este depois não chega, e quando às vezes vamos cobrar, alguns ficam bravos por estarem sendo cobrados.
Converso com diversos comerciantes e muitos deles também têm o mesmo problema. Porém, não adianta falarmos isto para nossos fornecedores, pois para eles nada disto importa; o que importa é que deixamos de pagar em dia e não existe justificativa. Passamos então, a ser maus pagadores.
Infelizmente, meu amigo, assim é a vida. Nossas despesas com tudo não param de crescer: aluguel, água, luz, telefone, impostos, dissídio de categoria, assaltos, cheques sem fundos e assim por diante. Ninguém quer saber! Não importa como, mas temos que tentar sobreviver mais um ano e não podemos repassar estas despesas na mesma ordem para os preços ao consumidor. Assim, já faz anos que vamos ficando cada vez mais massacrados.
Amigo Julinho, você já ouviu alguma vez os governos estadual ou federal ou bancos perdoarem dívidas de comerciantes? Mas já viu perdoar de usineiros, agricultores, bancos e outras mais. Porém, os pequenos comerciantes, que são os maiores geradores de empregos deste país, sempre são massacrados e nunca têm suas dívidas perdoadas. Por sinal são, sim, executados pelo Estado, pelo município e pelo governo federal.
Em 2007, tivemos um grande presente, que foi a epidemia de dengue e assim todos os feriados do ano foram para o ‘vinagre’, pois ninguém queria saber de Ubatuba. Para quem não se lembra, isto aconteceu no feriado da Semana Santa do ano passado! Depois disto, foi só tristeza! A temporada 2007/2008 foi muito curta e mal deu para que uns conseguissem pôr a casa em dia. Normalmente, o comerciante começa a pedir empréstimos no mês de agosto ou setembro. Entretanto, neste ano a coisa foi diferente, pois em pleno mês de março muitos já estavam tentando levantar empréstimos, mesmo sabendo que 2008 seria ainda pior, pois não teríamos feriados. Mas como a esperança é a última que morre, assim vamos em frente, contamos com a temporada de 2008/2009.
Aí, meu amigo Julinho, a coisa também está pegando! Um amigo meu dono de uma pousada andou recebendo umas consultas para o reveillon e para o carnaval. Passou preço, conversou com o cliente e a coisa estava rolando bem, até que o cliente quis saber a programação da temporada nossa, isto é, o que iria acontecer no reveillon e no carnaval. Nosso amigo se engasgou no telefone, tentou dar uma desculpa, pois não sabia o que responder. O cliente se adiantou e falou: “Pelo visto, vocês ainda não têm a programação pronta. Tudo bem. Eu cotei a cidade de Caraguá também. Segundo o dono da pousada com quem falei, lá eles já têm tudo programado com muitos eventos e shows para esta temporada, que começa no dia 24 de dezembro e acaba no dia 24 de fevereiro. Ele ainda me falou que estão com uma previsão de um milhão e oitocentos mil turistas para esta temporada de verão e que se eu realmente quisesse ir para Caraguá que fizesse a reserva logo. Mas como eu gosto mais de Ubatuba resolvi ver o que ia ter aí. Agradeço a sua atenção, mas vou retornar a ligação para Caraguá e fazer minha reserva lá”.
O meu amigo ainda tentou reverter dizendo que, com certeza, teremos queima de fogos neste ano, nossos blocos de carnaval na avenida e que já está acertado que teremos dois navios já confirmados que estarão na cidade nesta temporada.
O cliente respondeu: “Agradeço a sua atenção, mas tenho dois filhos adolescentes que querem se divertir, querem curtir não importa em que cidade. Particularmente, prefiro Ubatuba e meus filhos também em matéria de praia, mas eles querem se divertir na noite também e eu também adoro sentar em um quiosque e poder ouvir uma música ao vivo. Mas fica para o próximo ano. Quem sabe até lá vocês já tiveram tempo de fazer uma programação para a temporada e para os turistas que os visitam. Abraços e obrigado!”
Assim, Julinho, mais um cliente foi para a cidade vizinha, que só neste ano inaugurou inúmeras novas lojas e nesta semana estará inaugurando a Lojas Americanas.
Julinho, meu texto ficou grande, mas será que deu para passar uma idéia do que estamos vivendo? Não ficamos sem combustível porque queremos; ficamos, sim, por falta de dinheiro muitas vezes para poder comprar. Julinho, com certeza, nossos comerciantes de Ubatuba podem ser chamados de heróis, pois aqueles que estão sem dívidas pode ter certeza que estão se privando de muitas coisas.
Já nós não temos mais do que nos privar.
Só nos resta, meu amigo, rezar e muito para que esta crise financeira não atinja a nossa temporada, que todos estão rezando para que chegue o mais rápido possível.

Abraços,

Josias Sabóia JIJA
P. S.: tudo que lhe contei é segredo, não conte pra ninguém.

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