Opinião

Prazos de tolerância

Mauro Chaves
Um dos aspectos mais vergonhosos da impunidade brasileira é a tolerância dos prazos para que cessem os envenenamentos, as devastações e as agressões sistemáticas à vida. Legisladores e órgãos públicos estabelecem prazos demasiadamente longos para que terminem as contaminações e os prejuízos de vários tipos causados à saúde das populações, sob o pretexto de que os causadores de tais males precisam de tempo para "se adaptar" às novas regras saneadoras. Mas nem esses longos prazos são respeitados, permanecendo a frouxidão de controle sobre os contumazes agressores da vida.

Em 2002 o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) baixou a Resolução nº 315, que determina a redução de emissão de poluentes por veículos movidos a diesel a partir de janeiro de 2009. Deram-se, assim, longos seis anos para que os veículos a diesel "se adaptassem" a uma redução de enxofre. Faltando poucos meses para se encerrar esse prazo, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, percebe, espantado, que absolutamente nada foi feito para essa "adaptação". Houve uma generalizada omissão, por parte da Petrobrás, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), de tal sorte que o ministro se vê obrigado a esticar o prazo por mais três anos, deixando para 2012 a obrigação de os veículos a diesel envenenarem menos os habitantes das cidades, com a redução de enxofre. Quantos milhares de seres humanos pagarão - com a deterioração da saúde e da qualidade de vida - por essa irresponsável omissão?
Por falar em Anfavea, vem-me à lembrança a indagação que fiz, há alguns anos, ao então presidente dessa entidade, num programa de televisão. Eu tinha a informação de que entidades de fiscalização dos EUA haviam feito exigências de centenas de itens de segurança para autorizarem a importação de carros do Brasil. As montadoras daqui cumpriram todos os itens e obtiveram aprovação para colocar os carros em território norte-americano. Como os componentes relacionados a tais itens eram fabricados aqui mesmo, no Brasil, eu indagava por que nossos carros, destinados ao mercado interno, também não dispunham do mesmo tipo de segurança - o que poderia contribuir para a redução dos nossos recordes mundiais de mortes em acidentes de trânsito. A resposta do dirigente foi inacreditável. Disse ele que no mercado brasileiro "não havia demanda" para tais itens de segurança. Nossa demanda era pela potência do motor e pelo "status" dos veículos. Quer dizer, para ele, as pessoas no Brasil não se preocupavam em escapar vivas dos acidentes.
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