Não basta ser, tem que parecer...

Opinião: Entrando e saindo da História

Wilson Figueiredo, jornalista
É certo que Júlio César não perderia a oportunidade histórica e, portanto, não invocaria em defesa de sua mulher Pompéia a invisível linha de separação entre público e privado em que se embaraçou o senador Renan Calheiros. Dar um boi para não entrar no episódio e uma boiada para não sair foi caminho sem volta. Tantas vezes citada sem as circunstâncias de que se cercava, a decisão de César foi de uma precisão cirúrgica, porém mais citada do que aproveitada.
Diz Plutarco que durante a pretoria de César não ocorreu "perturbação alguma", mas "aconteceu-lhe uma aventura doméstica muito desagradável" que, dois milênios depois, continua a ser um marco entre público e privado. Um jovem patrício romano, "que se destacava por sua riqueza e por sua eloqüência", amava a mulher de César, que "não o via com maus olhos" e era mantida sob severa vigilância da sogra. Disfarçado de tocadora de lira, o imberbe Clódio foi flagrado numa cerimônia religiosa onde estava Pompéia, mas à qual só mulheres podiam comparecer. Foi reconhecido e, "no dia seguinte, toda a cidade estava cheia do escândalo sacrílego". A opinião pública clamou "por uma reparação plena por parte do culpado".
Olha aí o público e o privado, que o presidente do Senado opera em fatias, fazendo das suas. Clódio foi a julgamento e o povão ("devido à extrema paixão dessas acusações") simpatizou com o jovem galante, mas deixou inseguros os juízes. César não separou o particular e o público e, como escreveu Plutarco, "repudiou imediatamente Pompéia", ressalvando, no entanto, "nada saber no tocante aos fatos" imputados ao acusado. Livrou-se dos dois suspeitos numa única frase. Nas ruas indagava-se "por que então repudiava sua mulher?". Deve ter sido por ai que César saiu da crônica mundana para entrar na História ao responder: "Porque é preciso que não haja nem suspeita a respeito de minha mulher". Nem suspeita, quanto mais o resto.

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