Coluna da Segunda-feira

Urucará, Santarém, São Raimundo Nonato

Rui Grilo

Um pouco antes de ir para o Amazonas, uma professora que trabalhava comigo esteve em Urucará, como voluntária, trabalhando com os professores de uma das Escolas Família Agrícola existentes no Brasil. Ela falou tanto dessa experiência que fiquei com muita vontade de conhecê-la.

Em Itacoatiara, tomei o barco e fui parando nas cidades na beira do rio Amazonas, entre elas, em São Sebastião de Uatumã, uma cidade cuja principal atividade econômica é a construção de barcos. Estava tomando um banho no rio, esperando que aparecesse um barco para continuar a viagem quando um barco se aproximou. Comecei a conversar com o condutor e ele me contou que tinha ido lá para fazer um reparo e depois iria para a Escola Família de Urucará. Contei a ele que era de São Paulo e que gostaria de conhecer a escola. Ele pediu para esperar o conserto e depois poderia ir com ele.

Chegamos à escola de noite. Como era a estação da vazante, o rio estava bem baixo e as margens tomam a forma de barrancos muito lisos. Por isso, todo barco carrega tábuas que usam como rampas de acesso, onde são pregados ripas para que as pessoas não escorreguem

Quando me apresentei como amigo da professora Isabel e da Nídia (irmã do professor Aziz Ab Saber) , fui muito bem recebido.

Essa rede de escolas, teve origem na França, tendo como mentor o Padre Abbé Granerau, mas as que existem no Brasil seguiram o modelo italiano, mantidas por associações apoiadas por doações de instituições católicas, principalmente da Itália. Tem por objetivo o ensino profissionalizante de lideranças rurais e seguem o princípio da alternância. Na escola de Urucará, a cada quinzena se alternam meninos e meninas. Ao final da quinzena, há uma reunião de avaliação e a elaboração de pequenos projetos agropecuários que os alunos deverão desenvolver com suas famílias. Voltam para casa com o barco da escola, que vai deixando os alunos ao longo das margens dos rios e igarapés. À medida que os meninos vão desembarcando, as meninas vão subindo para substituí-los. Acompanhei um grupo de alunos na sua volta para casa. Quando o barco voltou para a escola com as meninas, em grande parte do trajeto, o responsável pelo barco entregava a direção a uma menina e ia orientando-a.

Durante o curso, enquanto um grupo estava em aulas do núcleo comum (Português, Matemática, História, Geografia, Ciências...), outro grupo estava no campo em aulas práticas e, em cada período desenvolvem atividades nas diferentes áreas agropecuárias: horta, plantas frutíferas, agricultura de subsistência, criação de pequenos animais... Visitando a área da escola, pude conhecer a castanha do Pará, o guaraná e um coquinho muito apreciado lá, do qual não me recordo o nome.

Quando entrei no dormitório dos alunos, não havia camas, apenas barras de ferro em formato de “T” fixas no chão, nas quais as redes estavam enroladas. Em um quarto assim, fica muito fácil fazer a limpeza.

No quarto dos professores, em cima de cada rede havia um mosquiteiro de filó, porque no começo da noite é quase impossível resistir ao ataque do mosquitinho pólvora e carapanãs.

Os professores administradores ficavam muito preocupados quando a farinha de mandioca estava chegando ao fim. Saí com um deles para comprar em uma casa de farinha, uma das marcas mais fortes da influência da cultura indígena.

Quando chegou o próximo barco, desci até Santarém. No barco, um dos passageiros me orientou que não deveria deixar de conhecer Alter do Chão, nas margens do Tapajós.
Quando o rio está baixo, formam-se praias de areia branquíssima. Quando tocamos o fundo da água, ela toma uma coloração leitosa devido à presença do caulim. Na praia havia vários pés de ipê rosa, os quais estavam floridos.

Em Santarém, o Amazonas recebe as águas do Tapajós, que correm lado a lado formando duas listas: uma amarelada, que são águas do Amazonas e, a outra, esverdeada, que é a tonalidade do Tapajós.

Na beira da praia há uma construção com produtos artesanais da região: compotas, cerâmicas, bordados. Conversei com a vendedora e ela disse que aquele espaço era uma grande conquista da associação de mulheres, que mantinham aquele local fazendo rodízio entre elas.

Quando cheguei à Belém era véspera de uma grande greve dos ônibus, por isso resolvi ir embora.

As férias estavam no fim e tive que optar entre o Delta do Parnaíba e São Raimundo Nonato. Decidi por São Raimundo. Um morador, percebendo que era de fora, me perguntou: “O senhor tá procurando a mulher? “ A mulher era Niéde Guidon e o uso do pronome definido revela o grande respeito que a população tem pela renomada arqueóloga , que com seus estudos tornou a região conhecida internacionalmente, usando todo o seu prestígio para criar melhores condições de vida e geração de renda para a população local.

Essas três experiências me trazem alento e confiança na tenacidade e capacidade de luta do povo brasileiro, especialmente as mulheres, muito diferente da visão preconceituosa apregoada em um texto atribuído ao Arnaldo Jabor e sobre o qual já comentei anteriormente.

Rui Grilo

ragrilo@terra.com.br

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