Opinião

Um defensor da teocracia iraniana

Editorial do Estadão
Se é que não o fez longe das vistas, o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad bem que poderia ter aproveitado a presença do seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva ontem na cidade russa de Ecaterimburgo, para a reunião dos chefes de governo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), da qual o Irã participou como observador, e dar-lhe um fraternal abraço de agradecimento. O motivo, as palavras de desdém com que o seu futuro anfitrião sul-americano escarneceu dos protestos que acabariam levando às ruas de Teerã centenas de milhares de pessoas e deixaram pelo menos 7 mortos, abatidos pela milícia do regime na mesma segunda-feira em que Lula, ainda em Genebra, desqualificava as manifestações. Elas exprimiram a revolta de legiões de iranianos contra os resultados oficiais da eleição presidencial que deram a Ahmadinejad uma vitória literalmente inacreditável de 63% a 34% dos votos sobre o reformista Mir Hossein Mousavi.

Com a mesma metáfora usada por Ahmadinejad no dia anterior, quando comparou os manifestantes a torcedores furiosos depois da derrota de seu time, Lula equiparou a crise a "apenas uma coisa entre flamenguistas e vascaínos". A essa altura, quanto mais não fosse para apaziguar a indignação popular, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, já havia encaminhado ao Conselho de Guardiães o pedido de Mousavi para a anulação do pleito por fraude eleitoral. Ontem, talvez pelo mesmo motivo, o colegiado de 12 juristas islâmicos fez saber que determinará uma recontagem parcial dos votos, rejeitando embora a demanda pela anulação. Por menos que indique uma reviravolta no escandaloso desfecho da eleição iraniana, a concessão do conselho desmoraliza os desinformados - se não cínicos e, de toda maneira, indecentes - comentários de Lula.

Ele admitiu estar "muito distante do Irã", por isso só poderia externar uma "impressão". Nesse caso, antes tivesse calado, ou recorrido ao conhecido estoque de expressões anódinas de que se valem governantes e diplomatas para falar de acontecimentos em outros países sem, a rigor, dizer grande coisa. Naturalmente, seria pedir demais que ele se declarasse, como Barack Obama, "perturbado" pelos eventos iranianos, ou mesmo, como a chanceler alemã Angela Merkel, fizesse votos para que as denúncias de fraude fossem submetidas a um "exame transparente". Mas, boquirroto como sempre, disparou: "Não conheço ninguém, além da oposição, que tenha discordado da eleição no Irã." Quem ele queria que também discordasse? A teocracia vitoriosa? Os observadores estrangeiros que foram impedidos de fiscalizar a votação e, especialmente, a apuração? As emissoras independentes que inexistem no país?

Pior ainda foi o seu argumento em favor da lisura dos resultados. "Ahmadinejad teve uma votação de 62,7%", começou. "É uma votação muito grande para a gente imaginar que possa ter havido fraude." Quem sabe o seu solícito assessor internacional Marco Aurélio Garcia poderia informá-lo, com todo o respeito, que na antiga União Soviética o Partido Comunista ganhava invariavelmente as eleições com quase 100% dos votos. É verdade que "não tem número, não tem prova" da fraude, como alegou Lula. Mas os relatos recolhidos pelos jornalistas estrangeiros em Teerã de funcionários do governo que pediam para não ser identificados dificilmente poderiam ser mais eloquentes. Um deles, do Ministério do Interior, responsável pela apuração, revelou que os chefes das equipes foram escolhidos a dedo com semanas de antecedência. "Não é que adulterassem os sufrágios. Eles nem sequer os olhavam", contou. "Simplesmente escreviam os nomes dos candidatos nas planilhas e punham números ao lado."
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