Opinião

O inquietante aviso das águas

Washington Novaes
Ao que parece, caminha-se, nas áreas de pesca e aquicultura, em algumas direções que merecem exames mais aprofundados e cautelosos das áreas acadêmica, ambiental e política. Porque o pressuposto, na última, parece ser um desejado aumento exponencial da produção de recursos pesqueiros a curto prazo - mas que pode ocorrer a preços questionáveis, como já se mencionou aqui em outros artigos.


No primeiro desses passos, caminha-se no Congresso para dar status de Ministério à atual Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, com "exclusividade no tratamento de recursos pesqueiros" - retirando, portanto, atribuições ao já combalido Ministério do Meio Ambiente nas áreas de recursos hídricos e de águas marinhas. Segundo, porque o Conselho Nacional do Meio Ambiente aprovou resolução que pode ter seus motivos - como unificar os critérios de regras para a aquicultura, hoje a cargo dos Estados -, mas simplifica também as exigências para licenciamento, o que pode significar tolerância maior com ações poluidoras/predadoras. E tudo isso no momento em que não faltam advertências graves quanto à situação dos estoques pesqueiros no mundo e no Brasil, assim como questionamentos a respeito da sustentabilidade de projetos de aquicultura, com consumo de recursos superior à produção.

Continua-se, por aqui, a fazer de conta que não existem relatórios científicos, inclusive do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, mostrando que na quase totalidade dos projetos de piscicultura em áreas marítimas ou fluviais - seja usando alimentos naturais ou rações - o volume produzido é inferior ao consumo de recursos. Um dos exemplos está no premiado documentário Ovas de Ouro, que mostra essa insustentabilidade física da produção de salmões no mar, no Chile (com consumo de alimentos para os peixes maior que a produção), ao lado da grave poluição das águas.

No caso da pesca em oceanos, continua-se a ignorar estudos oficiais da Avaliação do Potencial Sustentável dos Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee), segundo os quais 80% dos recursos pesqueiros no Brasil estão sobre-explotados, com muitas espécies já próximas do colapso, como é o caso da lagosta. Recente relatório do Greenpeace também apontou numerosas razões para termos prudência numa das áreas mais delicadas, que é a da carcinicultura. Entre elas, a ocupação de áreas de proteção permanente (APAs) com a criação de camarões (no Ceará, por exemplo, são APAs 79,5% das áreas desses projetos); contaminação das águas; "privatização" de águas sem sequer pagar pelo uso; fechamento de áreas antes abertas a pescadores e populações tradicionais; exploração do trabalho humano; destruição de berçários naturais nos mangues; ameaças à saúde humana, com uso de metabissulfito de sódio, que libera óxido de enxofre.

Mas há outros ângulos. Na Amazônia, dizem outros documentos, 30% dos estoques pesqueiros já estão sobre-explorados, enquanto em 60% deles a exploração ainda é inferior a uma possibilidade sustentável. Outro noticiário recente (A Crítica, de Manaus, 21/5) mostra razões para prestar atenção à pesca regional, já que os estoques pesqueiros da Amazônia poderiam ser mais produtivos que a própria pecuária: 1,5 boi por hectare gera R$ 400 por ano; 4 mil quilos de tambaquis criados em tanques podem gerar R$ 8 mil por ano (ou 13 vezes mais produto e 20 vezes mais renda, mas sem avaliar a relação alimentos consumidos versus alimentos produzidos). Se a produção for em tanques de rede, pode chegar a 120 mil quilos por hectare/ano e gerar R$ 120 mil, ou 30 vezes mais que a pecuária, com uma produção 300 vezes maior. Hoje a pesca comercial na Amazônia produz 325,5 mil toneladas/ano, no valor de R$ 200 milhões, e gera 400 mil empregos, segundo depoimento do secretário especial de Pesca, Altemir Gregolin, à Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados, com dados do Plano Amazônia Sustentável de Aquicultura e Pesca, que será lançado em julho e prevê investimentos de R$ 1,75 bilhão.

A exigência de cuidados tanto na aquicultura como na pesca oceânica torna-se mais forte quando se vê estudo (Portal Meio Ambiente, 12/6) relatando que em três anos, com disciplina e restrições à pesca, a captura de sardinha no litoral brasileiro, que chegou a 230 mil toneladas anuais em 1973 e, com o excesso, caiu para 17 mil toneladas em 2003, chegou a 78 mil no ano assado e pode atingir 90 mil este ano.

De qualquer forma, o Brasil não está em boa posição quanto à sustentabilidade de suas práticas pesqueiras, segundo o Código de Conduta para a Pesca Responsável da ONU (Folha de S.Paulo, 10/2). Ocupa o 33º lugar, com média 0,6 (a Noruega, primeiro lugar, tem 3,1 em 5 possíveis).

Muitas razões têm levado a FAO a recomendar (16/2) que se reduza a pesca no mundo e se limite o acesso a camarões. Como recomenda que a indústria pesqueira estude a questão das mudanças climáticas, que já está mudando a distribuição geográfica das espécies marítimas e águas interiores e afetando as cadeias de alimentação. O estudo também relata a forte contribuição do transporte marítimo na pesca para as emissões de gases poluentes. A sobre-exploração pesqueira é inquietante, diz: 19% das espécies marítimas já estão nesse nível, ao lado de 8% esgotadas e 52% no limite máximo de exploração.

Ainda se poderiam acrescentar as questões do lixo no mar e do carreamento de nitrogênio da agricultura para águas marinhas (100 milhões de toneladas/ano). No Brasil, diz o professor Alexandre Terra (Estado, 5/6), a região da Baía da Guanabara, próxima à Baixada Fluminense, pode estar morta em 20 anos, exatamente pelo carreamento de fertilizantes e agrotóxicos, resíduos industriais e residenciais. E o quadro pode se repetir em Salvador, Vitória e Recife.
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Comentários

Anônimo disse…
19/06/2009 - 10h45
FAO alerta que a barreira de um bilhão de famintos será superada em 2009
Em Roma
IMAGENS DA FOME

Jacques Diouf apresenta relatório


Menino come arroz na Índia


Haitiana desnutrida é pesada

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A barreira de um bilhão de pessoas que passam fome será superada em 2009 em consequência da crise econômica mundial, anunciou nesta sexta-feira a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

"Pela primeira vez na história da humanidade, mais de um bilhão de pessoas, concretamente 1,02 bilhão, sofrerão de subnutrição em todo o mundo", adverte a FAO em um relatório sobre a segurança alimentar mundial.

"O número supera em quase 100 milhões o do ano passado e equivale a uma sexta parte aproximadamente da população mundial", destaca a agência especializada da ONU, que tem sede em Roma.


Qual é a sua sugestão para combater a fome no mundo?


Segundo as estimativas da FAO, baseadas em um estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, "a maioria das pessoas subnutridas vive em países em desenvolvimento".

Quase 53 milhões de pessoas sofrerão fome em 2009 na América Latina e Caribe.

O número chega a 642 milhões na Ásia-Pacífico, 265 milhões na África subsaariana, 42 milhões no Oriente Médio e África do Norte e 15 milhões nos países em desenvolvimento.

O número de subnutridos no mundo passou de 825 milhões no biênio 1995-1997 a 873 milhões de 2004 a 2006.

Em 2008, o númerou caiu de 963 milhões a 915 milhões por uma melhor distribuição dos alimentos, mas a tendência se reverteu com o agravamento da crise econômica e financeira do fim do ano.

Para a FAO, o objetivo fixado em 1996 na Cúpula Mundial sobre a Alimentação (CMA) de reduzir à metade o número de pessoas com fome não será alcançado.

A meta foi ratificada, no entanto, com o compromisso de ser atingida em 2015, em uma reunião da ONU em Roma em junho de 2008.

Mas a redução da renda pela crise e os elevados preços dos alimentos foram devastadores para as populações mais vulneráveis.
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As estimativas da FAO confirmam a tendência desalentadora da última década para uma insegurança alimentar maior e revelam claramente o impacto da crise nas populações mais pobres do planeta.

"O aumento da insegurança alimentar que aconteceu em 2009 mostra a urgência de encarar as causas profundas da fome com rapidez e eficácia", afirma a organização.

"A atual desaceleração da economia mundial, que segue a crise dos alimentos e dos combustíveis e coincide em parte com ela, está no centro do forte aumento da fome no mundo", indica a agência da ONU.

As estimativas alarmantes da FAO foram publicadas três semanas antes da reunião de cúpula dos chefes de Estado e de Governo do G8, os oito países mais ricos do mundo, na cidade italiana de L'Aquila, de 8 a 10 julho.

A crise econômica e suas repercussões, em particular na África, o continente mais afetado, estão na agenda da reunião.

Na América Latina e Caribe, a única região que registrou sinais de melhora nos últimos anos, também foi comprovado um aumento (12,8%) do número de desnutridos.

Até nos países desenvolvidos, a desnutrição se transformou em uma preocupação cada vez maior.

O relatório completo sobre a insegurança alimentar no mundo será apresentado oficialmente em outubro.

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