Opinião
Jornalista sem diploma
Editorial do Estadão
Finalmente, depois de anos de polêmica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu solução definitiva à questão da obrigatoriedade do certificado de conclusão de uma faculdade de comunicação social para exercer a atividade de jornalista. Por 8 votos a 1 o STF decidiu que o Decreto-Lei 972 de 1969, que exigia tal condição, é incompatível com a Constituição de 1988, justamente porque esta garante a plena liberdade de expressão e comunicação. "O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação." Com estas palavras, o ministro Gilmar Mendes associou liberdade de expressão e comunicação que a Constituição assegura em alguns de seus dispositivos - com ênfase típica de uma sociedade que já sofreu a censura de um regime autoritário - ao exercício da atividade jornalística sem quaisquer formas de controle, restrição ou condição imposta pelo Estado. Sem dúvida essa associação se harmoniza com o principio básico que rege a liberdade de imprensa nas democracias contemporâneas, bem ilustrada pela interpretação que a Suprema Corte deu, na década de 1970, à Primeira Emenda da Constituição norte-americana - a que primeiro institucionalizou essa liberdade. Disse a Suprema Corte que o maior bem a ser tutelado não é o direito do jornalista de informar, mas sim o da sociedade de ser informada.
O ministro Mendes relatou o processo que chegou ao Supremo em 2006 e no qual já dera, na ocasião, liminar suspendendo a exigência do diploma. Esse processo se originara de ação contra a obrigatoriedade do diploma, proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo. Em 2001, a 16ª Vara de São Paulo extinguira a exigência, mas em 2003 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região a restabelecera. Ao relatar o processo na quarta-feira o presidente do Supremo disse: "Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área." O ministro também se referiu ao fato de as faculdades que formam jornalistas não perderem importância, uma vez que os veículos de comunicação têm a plena liberdade de exigir o diploma para aceitar profissionais em seus quadros. De nossa parte, preferimos dizer que as faculdades de comunicação serão importantes pela qualidade do ensino que ministrarão aos futuros profissionais do jornalismo - e decerto terão de se aprimorar, porque seus alunos sofrerão, no mercado de trabalho, a concorrência que vem com o fim da reserva de mercado.
Se a exigência do diploma, estabelecida no decreto-lei do regime militar, já era um anacronismo quando foi criada, de lá para cá a evolução tecnológica da comunicação a deixou ainda mais despropositada e inteiramente inócua. Com o desenvolvimento da internet, em que qualquer pessoa pode criar e desenvolver o seu blog, arregimentando uma quantidade literalmente incalculável de leitores, qualquer um pode transmitir informações e opiniões - exercendo, desse modo, ainda que sem os rígidos princípios éticos adotados pelas empresas de comunicação que se pautam pela seriedade e pela responsabilidade, uma típica atividade jornalística. Não haveria condição alguma de exigir-se prova de conclusão de curso específico para esse trabalho. As entidades de jornalistas que defendiam a exigência do diploma, o que pretendiam era uma restrição de natureza corporativa, julgando com isso proteger seu mercado de trabalho. Diga-se o mesmo em relação a alguns donos de escolas de comunicação, que julgavam, ao defender a obrigatoriedade do diploma, garantir uma clientela compulsória. Ocorre que, até em termos de mercado de trabalho, essa "reserva de mercado" com base no diploma é ilusória. Muito mais eficiente que aquela reserva de mercado, em termos de qualificação do profissional jornalista, será a concorrência pela qualidade que terá que surgir entre essas escolas. Cada qual terá que aperfeiçoar ao máximo os seus cursos, buscar o corpo docente mais bem habilitado e o padrão de ensino mais eficiente, para arregimentar alunos que queiram disputar empregos nos veículos de comunicação. Os leitores, sem dúvida, serão os maiores beneficiados.
Original aqui
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Editorial do Estadão
Finalmente, depois de anos de polêmica, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu solução definitiva à questão da obrigatoriedade do certificado de conclusão de uma faculdade de comunicação social para exercer a atividade de jornalista. Por 8 votos a 1 o STF decidiu que o Decreto-Lei 972 de 1969, que exigia tal condição, é incompatível com a Constituição de 1988, justamente porque esta garante a plena liberdade de expressão e comunicação. "O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação." Com estas palavras, o ministro Gilmar Mendes associou liberdade de expressão e comunicação que a Constituição assegura em alguns de seus dispositivos - com ênfase típica de uma sociedade que já sofreu a censura de um regime autoritário - ao exercício da atividade jornalística sem quaisquer formas de controle, restrição ou condição imposta pelo Estado. Sem dúvida essa associação se harmoniza com o principio básico que rege a liberdade de imprensa nas democracias contemporâneas, bem ilustrada pela interpretação que a Suprema Corte deu, na década de 1970, à Primeira Emenda da Constituição norte-americana - a que primeiro institucionalizou essa liberdade. Disse a Suprema Corte que o maior bem a ser tutelado não é o direito do jornalista de informar, mas sim o da sociedade de ser informada.
O ministro Mendes relatou o processo que chegou ao Supremo em 2006 e no qual já dera, na ocasião, liminar suspendendo a exigência do diploma. Esse processo se originara de ação contra a obrigatoriedade do diploma, proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo. Em 2001, a 16ª Vara de São Paulo extinguira a exigência, mas em 2003 o Tribunal Regional Federal da 3ª Região a restabelecera. Ao relatar o processo na quarta-feira o presidente do Supremo disse: "Um excelente chefe de cozinha certamente poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área." O ministro também se referiu ao fato de as faculdades que formam jornalistas não perderem importância, uma vez que os veículos de comunicação têm a plena liberdade de exigir o diploma para aceitar profissionais em seus quadros. De nossa parte, preferimos dizer que as faculdades de comunicação serão importantes pela qualidade do ensino que ministrarão aos futuros profissionais do jornalismo - e decerto terão de se aprimorar, porque seus alunos sofrerão, no mercado de trabalho, a concorrência que vem com o fim da reserva de mercado.
Se a exigência do diploma, estabelecida no decreto-lei do regime militar, já era um anacronismo quando foi criada, de lá para cá a evolução tecnológica da comunicação a deixou ainda mais despropositada e inteiramente inócua. Com o desenvolvimento da internet, em que qualquer pessoa pode criar e desenvolver o seu blog, arregimentando uma quantidade literalmente incalculável de leitores, qualquer um pode transmitir informações e opiniões - exercendo, desse modo, ainda que sem os rígidos princípios éticos adotados pelas empresas de comunicação que se pautam pela seriedade e pela responsabilidade, uma típica atividade jornalística. Não haveria condição alguma de exigir-se prova de conclusão de curso específico para esse trabalho. As entidades de jornalistas que defendiam a exigência do diploma, o que pretendiam era uma restrição de natureza corporativa, julgando com isso proteger seu mercado de trabalho. Diga-se o mesmo em relação a alguns donos de escolas de comunicação, que julgavam, ao defender a obrigatoriedade do diploma, garantir uma clientela compulsória. Ocorre que, até em termos de mercado de trabalho, essa "reserva de mercado" com base no diploma é ilusória. Muito mais eficiente que aquela reserva de mercado, em termos de qualificação do profissional jornalista, será a concorrência pela qualidade que terá que surgir entre essas escolas. Cada qual terá que aperfeiçoar ao máximo os seus cursos, buscar o corpo docente mais bem habilitado e o padrão de ensino mais eficiente, para arregimentar alunos que queiram disputar empregos nos veículos de comunicação. Os leitores, sem dúvida, serão os maiores beneficiados.
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