Comportamento

Mutações

Sidney Borges
O calor me deu saudades da camisa "Volta ao Mundo". Eu a usava com calça de Nycron e sapato Vulcabrás. Era cor de palha e não precisava passar. Bastava lavar, pendurar e vestir. Todo mundo tinha esse tipo de roupa, as meninas usavam conjuntos de Ban-Lon, de malha sintética. Eram bonitos, as meninas eram bonitas, a maioria. Tinha algumas desabonitadas, mas sempre aparecia um que gostava. A camisa Volta ao Mundo representou o apogeu dos plásticos no vestuário, mas logo a ficha caiu e o algodão voltou a reinar. Além de feias eram desconfortáveis e inadquadas ao clima, mas marcaram época pois eram anunciadas no rádio, na TV, nos jornais, nas revistas, um verdadeiro massacre. Não havia como não ganhar uma, pois além de tudo eram baratas. Tenho como certo que deram impulso à indústria de desodorantes, cujo primeiro que me vem à cabeça é o Mum. O refrão é inesquecível: "desodorante Mum, só uma aplicação, 24 horas de proteção". Agora que está instalada a crise, ou melhor, a "marolinha", fico imaginando como será o futuro. O capitalismo não vai morrer como aconteceu com o comunismo, mas vai sofrer grandes transformações. Os últimos tempos de consumo desenfreado estavam começando a me deixar preocupado. Explico melhor. Quando teve início a febre dos celulares, os aparelhos custavam caro. O primeiro que eu tive custou mais de mil reais, era grande, pesado, desajeitado e a bateria durava meio dia. Eu tinha três baterias, uma para o período da manhã, outra para o período da tarde e outra, 'just in case", para a noite. O conjunto ia na minha pasta, baterias mais celular pesavam um quilo. O meu sonho de consumo era um "startac", pequeno e leve, mas caro e símbolo de status, o que me fez ficar longe de ter um. O que eu queria de um celular era pouco, fazer e receber chamadas e que tivesse uma bateria que durasse bastante. Há cinco anos comprei um aparelho com essas características, é leve, a bateria dura uma semana e funciona que é uma beleza. Dependendo do lugar onde estou quando o empunho as pessoas me olham como se eu fosse um monumento de originalidade. As perguntas logo surgem. Não tem câmera? Não tem MP-3? Eu tento explicar que sofá é sofá e cama é cama, de vez em quando é bom dormir no sofá, depois da feijoada, por exemplo. Para uma noite de sono de verdade é fundamental uma cama generosa e ampla. Eu tenho uma câmera. Excelente, tem três anos e uma óptica muito boa. Com ela tiro fotos que me satisfazem. Também tenho um toca MP-3 com mais de 300 músicas. O celular eu uso apenas como telefone, outro uso possível será como arma, posso atirar o aparelho em um assaltante desprevenido. Caso eu venha a trocá-lo um dia já sei qual vou comprar. Outro quase igual que custa menos de 50 reais. Estou desconfiado que a onda do compra compra vai diminuir. Antes de assumir o crediário as pessoas vão pensar duas vezes. Os bancos vão sentir, os fabricantes de coisas inúteis vão sentir, mas tudo vai se adequar. Os comunistas estão imaginando que será a vez deles. Tenho certas dúvidas sobre isso, mas se o mundo virar uma imensa ditadura do proletariado espero que me deixem viajar. E usar a internet. Comunistas gostam de ditaduras. Eu detesto.

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