Coluna da Segunda-feira

Vendaval

Renato Nunes
A temporada é sempre traumática. Tudo nesta cidade, durante o ano todo gira em torno dessa expectativa. O comércio, a prefeitura, o serviço de obras, a Santa Casa, o Corpo de Bombeiros, e por aí vai. Toda nossa economia, relações pessoais, perfil social, qualidade de vida, segurança pública, o planejamento estratégico dos assaltantes e criminosos, festas populares, seja lá o que for está diretamente condicionado a esse fato.

Ubatuba é uma cidade de altíssimo interesse turístico caracterizado por uma avalanche de pessoas e automóveis vindos de fora, sem vínculos de qualquer espécie com os moradores locais. As multidões chegam regularmente no início do verão, usam e abusam e desaparecem. Deixam sempre um rastro negativo muito abaixo das expectativas otimistas que cercaram sua chegada. Deixam também a esperança de que a próxima temporada será melhor.

As cidades que não tem a sina de serem destinos turísticos não sabem o que é isso. São estáveis em sua economia, em sua população, seus hábitos. Tudo corre certinho dentro do esperado. Com certeza uma ou outra novidade, um incêndio, um assalto, um ou outro assassinato, essas coisas corriqueiras com as quais já nos acostumamos. Quando isso acontece assiste-se avidamente o noticiário pela TV, após o que, muda-se o canal e fica tudo por isso mesmo.

Essas cidades de rotina constante, de população fixa, possuem uma característica interessante, desenvolvem um forte senso de comunidade. Hábitos de respeito e civismo que quando contrariados por algum desavisado são logo punidos pela própria reação de seus moradores. Não há necessidade de se chamar a polícia. A reprovação da população age como os anti corpos de um organismo sadio. Envolvem o corpo estranho e expulsam o intruso sob a forma de infecção. Os turistas, dentro das cidades onde vivem, estudam e trabalham, não urinam publicamente, na cara dura nos muros, na rua ou no jardim das praças desacatando ou constrangendo pessoas conhecidas. Sabe-se que o imbecil só ataca onde sabe que não será reconhecido.

Com o passar do tempo, a constância dos hábitos, procedimentos e atitudes gera uma personalidade coletiva na cidade que articulada com suas características econômicas, culturais e históricas configuram uma identidade própria, específica daquele lugar. Não é difícil reconhecer esse fato principalmente em cidades pequenas.
Essa identidade manifesta-se de várias maneiras e o orgulho de ser parte daquela comunidade está na base das reações coletivas às agressões dos desabusados eventuais.

Mas, e aqui em Ubatuba? Seríamos capazes de reconhecer esses traços coletivos de cidadania nas reações ao que nos desagrada? Será que o empenho econômico em agradar o visitante turista é tão grande que aceitamos pacificamente suas agressões? Será que se criássemos regras duras de convivência não seria melhor para todos, inclusive para elevação gradual do padrão dos visitantes? Sem essas regras percebe-se um evidente rebaixamento do perfil dos usuários da cidade. Vamos deixar como está para ver como é que fica?

Há duas semanas atrás os jornais noticiaram que o delegado de polícia da cidade de Praia Grande no litoral sul, solicitou autorização à justiça para prender baderneiros e apreender por quinze dias os automóveis que fizessem uso abusivo do som e caixas com alto falante. Parabéns ao delegado, espero que a justiça não tarde e não falte. Seria um ótimo exemplo.

Acho que o tema da busca de normas de convivência não é assunto exclusivo do poder público, até porque o natural jogo de interesses políticos ofusca o raciocínio cívico das lideranças constituídas.
Saber determinar os limites entre o destino e a qualidade de vida da população moradora no município e as hordas com crescente baixo nível que regularmente passam por aqui, é tema para um amplo seminário de debates dentro da comunidade.

Temos que resgatar a identidade do município, mas qual será ela?

Comentários

Anônimo disse…
Bastante profundo o seu comentário, meu caro Professor! Penso q muitos sentem na pele ou pelo menos compartilham com a sua opinião "Vendaval", posta publicamente neste Blog. Numa época não muito distante chamávamos os invasores de bárbaros, godos, visigodos e etc. hoje somos invadidos por vândalos e folgados (que pregam arrastões e quebra quebra), gatunos, assaltantes, traficas, clandestinos e mendigos de toda sorte que se acham por aqui podem tudo e acreditam na impunidade...enfim, bem colocado a sua matéria. Parabéns por esse artigo. Estou contigo e não abro.

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