Opinião

A democracia e os jornais locais

Editorial do Estadão
O Brasil continua sendo o país onde mais se processam jornalistas no mundo inteiro. Realizado pelo site Consultor Jurídico e divulgado durante encontro internacional promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, o último levantamento do setor mostra que os cinco maiores grupos de comunicação no País empregavam 3.327 jornalistas, em 2007, e respondiam a 3.133 processos judiciais por danos morais e materiais. Além disso, enquanto o salário-base da categoria era de R$ 2.205, sem aumento real nos últimos quatro anos, o valor médio das sanções pecuniárias aplicadas pelos tribunais aumentou quatro vezes no período, passando de R$ 20 mil, em 2003, para R$ 80 mil.


E em um ano e meio a situação se agravou atingindo especialmente os pequenos jornais publicados nas capitais dos pequenos Estados e no interior das grandes unidades da Federação. Segundo o Consultor Jurídico, um terço dos periódicos de circulação diária, semanal e quinzenal filiados à Associação dos Jornais do Interior de São Paulo responde a algum tipo de processo na Justiça.

E boa parte dessas ações tem objetivo intimidatório. Elas são impetradas por políticos e autoridades que usam os tribunais para tentar cercear a liberdade de expressão dos jornais que circulam em suas bases eleitorais. É esse, por exemplo, o caso do jornal A Cidade, de Adamantina - uma cidade de 35 mil habitantes situada no noroeste do Estado de São Paulo. A publicação está sendo processada por ter reproduzido uma crítica feita ao prefeito da cidade por uma vereadora de oposição, durante a campanha eleitoral de 2008. Em vez de acionar a parlamentar, o prefeito decidiu processar o periódico, pedindo uma indenização de 200 salários mínimos - o equivalente a R$ 93 mil - por danos morais. Com um faturamento mensal de R$ 6 mil, o jornal terá de fechar, se for condenado pela Justiça. A audiência está marcada para setembro. Segundo o editor de A Cidade, Rubens Galdino, seria esse o verdadeiro objetivo do prefeito, que nem sequer pediu direito de resposta depois da publicação da crítica da vereadora.

Outra pequena publicação do interior que também está com sua sobrevivência ameaçada é o jornal Integração, de Tatuí - uma cidade de 103 mil habitantes, distante 130 quilômetros da capital. Por ter noticiado uma moção de repúdio apresentada por um vereador contra o conselho diretor da Associação dos Amigos do conservatório local, que extinguiu o cargo de diretor artístico da entidade e demitiu o maestro que o ocupava, o periódico responde a um processo por danos morais. O valor da indenização pleiteada pela associação equivale a 70% da receita mensal do jornal, que é de R$ 25 mil.

Um dos casos mais antigos é o do jornal Debate, de Santa Cruz do Rio Pardo - uma cidade de 42,5 mil habitantes localizada próximo a Ourinhos, na região sudoeste do Estado. O periódico foi acionado por ter noticiado que o juiz da comarca morava numa casa cujo aluguel era pago pela prefeitura e ainda usufruía de um telefone público em sua residência, o que é ilegal. Pouco após a publicação da reportagem, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou a suspensão do pagamento do aluguel e a devolução do telefone, o que levou o magistrado a entrar com um processo por danos morais contra a publicação. A ação já foi decidida no mérito, contra o jornal, e não pode mais ser objeto de recurso. O processo agora está na fase de execução e as partes agora divergem sobre o cálculo da indenização, que foi fixada em R$ 593 mil. Por não dispor de patrimônio para garantir o pagamento, o jornal fechará as portas, se esse valor for mantido.

A existência de jornais é essencial para o exercício do direito dos cidadãos à informação. Nas pequenas e médias cidades, as publicações locais são fundamentais para a vida comunitária e ajudam a estabelecer os canais de comunicação que garantem o pluralismo cultural e ideológico. É por isso que os tribunais precisam ser cuidadosos ao julgar as ações impetradas com óbvios fins intimidatórios contra os pequenos jornais do interior. Se não souber separar o joio do trigo, aplicando penas pecuniárias que levam ao fechamento dessas publicações, a Justiça poderá comprometer liberdades públicas que tem o dever de preservar e garantir. (original aqui)

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