Imprensa
Adeus, Ennio
Carlos Brickmann no Observatório da Imprensa
É fácil descrevê-lo, já que cada uma de suas características era marcante. É difícil descrevê-lo, já que a soma de características marcantes moldava um homem complexo, de múltiplas habilidades, competente nas mais diversas áreas. As colegas costumavam chamá-lo de "Marcello", à italiana (comparando sua aparência com a do ator, então no auge da fama, Marcello Mastroianni).
Ennio Pesce, claro. Nasceu na Itália, de pai italiano e mãe brasileira; veio ao Brasil logo depois da Segunda Guerra Mundial, e só voltaria à terra natal 56 anos depois – para encontrar, em Luca, intacta, depois de tantos anos, a casa em que nascera. Formou-se em Direito, mas tornou-se conhecido como jornalista.
E que jornalista! Ao contrário de boa parte dos colegas, fazia questão de vestir-se bem, com excelentes gravatas e ternos feitos sob medida por um alfaiate de primeiro time – que aprendeu a profissão na terra dos grandes alfaiates, a Itália, e veio depois morar no Brasil. Escrevia bem (foi colunista da Folha de S.Paulo e do Jornal da Tarde, e isso na época em que o Jornal da Tarde era o Jornal da Tarde), era bom de vídeo (e foi apresentador de telejornais da Rede Globo).
Ennio conhecia os políticos, e era respeitado por eles; e, conhecendo-os, manteve-se sempre longe das tentações que eles costumam semear pelo caminho. Conhecia a arte da política, e suas análises eram agudas, articuladas, precisas: poucas vezes foram equivocadas.
Como assessor de imprensa, destacou-se em momentos de extrema complexidade: trabalhou com o governador Abreu Sodré, numa época em que o regime endurecia (e ajudou muitos jornalistas, inclusive este colunista, a escapar de problemas com o Governo militar); e com o candidato à Presidência Paulo Maluf, que não tinha nenhuma chance, mas ajudando a trabalhar a imagem que levaria Maluf à vitória em duas eleições seguidas para a Prefeitura de São Paulo).
Ennio foi responsável por uma entrevista antológica com o ex-presidente Jânio Quadros.
Estudou as principais artimanhas de Jânio e se preparou para uma conversa complicada. Fez-lhe uma pergunta difícil, a respeito de um fato conhecido por todos, e Jânio usou seu truque preferido: "De onde o sr. tirou essa história?" Ennio, firme: dos jornais, das revistas. Jânio: prove! Ennio, tranquilo, começou a puxar recortes da gaveta. Demoliu o entrevistado. Nunca antes nesse país, como se diria mais tarde, algum jornalista tinha julgado necessário provar que fatos óbvios existissem, e o habilíssimo Jânio se valia disso para desmoralizá-los no ar.
Em outra ocasião, como apresentador da Globo, o jornal já terminava, com as legendas rolando na tela. De repente, uma barata voadora, provavelmente vinda também daquele depósito onde se hospedam as moscas que chateiam Barack Obama, instalou-se no seu ombro direito. Ennio se manteve impassível, como se nada estivesse acontecendo, até que sua imagem sumiu do ar.
Só como comparação: fato semelhante ocorreu recentemente em uma TV portuguesa, e o apresentador começou a gritar, arrancou os microfones da lapela e saiu correndo estúdio afora.
Ennio Pesce morreu no dia 12. A imprensa, à qual dedicou sua vida, pouco retribuiu: os amigos souberam da morte por um anúncio pago, e pouquíssimo noticiário foi publicado sobre este personagem tão importante.
Mas, pensando bem, não é difícil defini-lo: foi um amigo de excelente caráter, do tipo que faz falta. E um grande, excepcional jornalista.
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Carlos Brickmann no Observatório da Imprensa
É fácil descrevê-lo, já que cada uma de suas características era marcante. É difícil descrevê-lo, já que a soma de características marcantes moldava um homem complexo, de múltiplas habilidades, competente nas mais diversas áreas. As colegas costumavam chamá-lo de "Marcello", à italiana (comparando sua aparência com a do ator, então no auge da fama, Marcello Mastroianni).
Ennio Pesce, claro. Nasceu na Itália, de pai italiano e mãe brasileira; veio ao Brasil logo depois da Segunda Guerra Mundial, e só voltaria à terra natal 56 anos depois – para encontrar, em Luca, intacta, depois de tantos anos, a casa em que nascera. Formou-se em Direito, mas tornou-se conhecido como jornalista.
E que jornalista! Ao contrário de boa parte dos colegas, fazia questão de vestir-se bem, com excelentes gravatas e ternos feitos sob medida por um alfaiate de primeiro time – que aprendeu a profissão na terra dos grandes alfaiates, a Itália, e veio depois morar no Brasil. Escrevia bem (foi colunista da Folha de S.Paulo e do Jornal da Tarde, e isso na época em que o Jornal da Tarde era o Jornal da Tarde), era bom de vídeo (e foi apresentador de telejornais da Rede Globo).
Ennio conhecia os políticos, e era respeitado por eles; e, conhecendo-os, manteve-se sempre longe das tentações que eles costumam semear pelo caminho. Conhecia a arte da política, e suas análises eram agudas, articuladas, precisas: poucas vezes foram equivocadas.
Como assessor de imprensa, destacou-se em momentos de extrema complexidade: trabalhou com o governador Abreu Sodré, numa época em que o regime endurecia (e ajudou muitos jornalistas, inclusive este colunista, a escapar de problemas com o Governo militar); e com o candidato à Presidência Paulo Maluf, que não tinha nenhuma chance, mas ajudando a trabalhar a imagem que levaria Maluf à vitória em duas eleições seguidas para a Prefeitura de São Paulo).
Ennio foi responsável por uma entrevista antológica com o ex-presidente Jânio Quadros.
Estudou as principais artimanhas de Jânio e se preparou para uma conversa complicada. Fez-lhe uma pergunta difícil, a respeito de um fato conhecido por todos, e Jânio usou seu truque preferido: "De onde o sr. tirou essa história?" Ennio, firme: dos jornais, das revistas. Jânio: prove! Ennio, tranquilo, começou a puxar recortes da gaveta. Demoliu o entrevistado. Nunca antes nesse país, como se diria mais tarde, algum jornalista tinha julgado necessário provar que fatos óbvios existissem, e o habilíssimo Jânio se valia disso para desmoralizá-los no ar.
Em outra ocasião, como apresentador da Globo, o jornal já terminava, com as legendas rolando na tela. De repente, uma barata voadora, provavelmente vinda também daquele depósito onde se hospedam as moscas que chateiam Barack Obama, instalou-se no seu ombro direito. Ennio se manteve impassível, como se nada estivesse acontecendo, até que sua imagem sumiu do ar.
Só como comparação: fato semelhante ocorreu recentemente em uma TV portuguesa, e o apresentador começou a gritar, arrancou os microfones da lapela e saiu correndo estúdio afora.
Ennio Pesce morreu no dia 12. A imprensa, à qual dedicou sua vida, pouco retribuiu: os amigos souberam da morte por um anúncio pago, e pouquíssimo noticiário foi publicado sobre este personagem tão importante.
Mas, pensando bem, não é difícil defini-lo: foi um amigo de excelente caráter, do tipo que faz falta. E um grande, excepcional jornalista.
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