A ponderar...

Amarga comemoração

Cláudio Lembo no Terra Magazine (Clique aqui e leia o original)
Os meios de comunicação trazem ao conhecimento da sociedade episódios que, antes, ficavam escondidos no interior dos mais variados segmentos, algumas vezes sem voz e sem identidade.


Sempre aconteceram práticas de violência contra as crianças. Por toda a parte. A moderna literatura escancara episódios de forma amarga e inaceitável.


Em todos os tempos, o incesto e a promiscuidade estiveram presentes em determinados situações. Algumas vezes escondidos pela imensa pobreza e outras pela excessiva opulência.

Em ambas as hipóteses, configuram-se - o incesto e a promiscuidade - como enfermidades graves de ordem psicológica. Quase sempre indicam vontade de posse contra o mais fraco.


Nada mais abominável. Agredir moral e fisicamente uma criança é ato indigno. Merece forte e grave repúdio. Nem sempre, contudo, é assim. Por vezes, motivos díspares afastam uma análise crítica da atitude do adulto.


Ainda agora, toma-se conhecimento de cena degradante. Um padrasto abusou durante longo tempo de sua enteada, menina com apenas nove anos de idade.

Uma criança. Apenas uma criança. No entanto, na sua tenra idade, usada sexualmente, engravida. Uma tragédia de incomensurável dor. Um sentimento de vergonha invade as consciências.


Nenhuma palavra ergueu-se contra o agressor. A hierarquia religiosa romana apenas execrou o ato de equipe médica que, autorizada pela Justiça e pela mãe da menor, afastou a gravidez.

Médico e sua equipe foram excomungados, isto é, excluídos da comunidade religiosa à qual pertencem. Aplicou-se a mais grave das censuras canônicas.


Nada de processo legal. A pena foi aplicada sem qualquer conhecimento dos acusados. A vontade exclusiva da autoridade. Um fundamentalismo excessivo.

Muitas as variáveis presentes. Uma menor indefesa. Um homem rude e sem escala de valores. Uma equipe médica autorizada a romper gravidez indevida. Uma autoridade religiosa de visão dogmática.

No centro da polêmica uma mulher, ainda criança. Aqui, ainda um traço dramático. Tudo ocorreu nos dias que antecederam a data internacional das mulheres.

A coincidência mostra como ainda não existe na sociedade contemporânea, apesar dos avanços, vontade de preservar a mulher em sua fragilidade física. Manter seu corpo inviolável, sem seu expresso consentimento.

Há um machismo milenar nas consciências masculinas. Este ainda coloca a mulher, muitas vezes, como mero objeto, sem consciência e vontade própria.

Pode ser agredida. Se a agressão conduzir ao uso não autorizado de seu útero, nada há a fazer. Aconteceu. Ponto e basta. Sofra a mulher todas as conseqüências de sua condição feminina.

Um absurdo. A situação da mulher necessita ser repensada e reexaminada dentro dos cânones de uma sociedade que procurou oferecer igualdade entre os sexos.


Falsa igualdade, como se constata no amargo episódio da menina de nove anos. Ela, por ser mulher, deve suportar todos os ônus de sua feminilidade. Ser agredida. Portar a gravidez fruto da concupiscência masculina e adulta.

A preservação da atual visão da figura da mulher merece ser revista. Já não se admite ver a mulher como na Idade Média, quando milhares foram sacrificados nas fogueiras inquisitoriais.

Não possuíam culpas individuais. Muitas foram vítimas da luxúria masculina. Esta perdoada pelos mais fúteis motivos. É tempo de repensar a tragédia humana.


Se existe uma verdadeira intenção de tornar a mulher companheira da travessia, torna-se necessário recompor a forma de vê-la e compreender sua fragilidade face à brutalidade da vida contemporânea.

É tempo de mudar. No futuro dia oito de março, lá em 2010, espera-se a verificação de avanços. Autoridades civis e as hierarquias religiosas precisam abandonar velhas condutas.

Na vida há situações e situações. Cada uma com peculariedades próprias. Em cada situação, torna-se necessário um exame de seu perfil. Jogar todas em um mesmo cânone é praticar o pecado da omissão.
Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador.

Comentários

Anônimo disse…
Sidney,saudações.
Tambem respeito as opiniões do claudio lembo,um bom politico,e que sempre se esforçou para ser um bom catolico.
Apos ler o caderno cidades de domingo no estadão,com a excelente reportagem"pedofilia,o crime sem castigo",pensei de novo nesse assunto.
Esta reportagem mostra a realidade e o sofrimento das crianças abusadas que tentaram recorrer a justiça.
Nesta reportagem aprendi que não existe pedofilia no codigo penal de 1940,não é crime hediondo,a pedofilia esta excomungada no nosso direito.
Os juizes tem que rebolar para tentar condenar os safados e delinquentes,e tem dificuldades de defender as crianças abusadas.
Os condenados não chegam a cumprir 1/6 da pena.
Eles relataram o caso da quadrilha de pedofilos que foi condenada a mais de 40 anos,não ficou um mes na cadeia,foram soltos por um indulto presidencial.
Como assim???
Indulto presidencial para pedofilos?
Foi no indulto de natal ou dia das mães?
Pelo visto todos nós temos motivos para indignação.
Agora eu que pergunto:quando?
Quando nossos politicos,imprensa,sociedade civil,vão reagir?
Chorar ,se indignar,dar vazão a sentimentos coletivos,ficar revoltado de vez em quando,achar bodes expiatorios é muito mais facil.
Na semana seguinte volta tudo ao normal e os pedofilos agradecem.

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