Crise

Culpe os economistas, não a economia

Dani Rodrik (Clique aqui e leia na fonte)
À medida que o mundo ruma atabalhoadamente para a beira de um precipício, críticos do ofício da economia vêm levantando questionamentos sobre a sua cumplicidade na crise atual. E com razão: os economistas têm muito pelo que responder.


Foram os economistas os que legitimaram e popularizaram a ideia de que um setor financeiro sem amarras representava um benefício para a sociedade. Eles falavam quase de maneira unânime quando se tratava dos “perigos da regulamentação excessiva do governo”. Seu conhecimento técnico - ou o que se assemelhava a isso à época - lhes conferiu uma posição privilegiada de formadores de opinião, bem como acesso aos corredores do poder.

Muito poucos dentre eles (exceções notáveis, como Nouriel Roubini e Robert Shiller) soaram os sinos de alarme sobre a crise que se anunciava. Pior ainda, talvez, a profissão fracassou em oferecer orientação proveitosa para desviar o mundo da sua rota de desordem atual. A respeito do estímulo fiscal keynesiano, as opiniões dos economistas variaram de “absolutamente essencial” a “ineficaz e prejudicial”.

A respeito da re-regulamentação das finanças, há um grande número de boas ideias, mas pouca convergência. Do quase consenso em torno das virtudes do modelo centrado em finanças do mundo, o ofício da economia passou para uma quase total ausência de consenso sobre o que deve ser feito.

Assim sendo, será que a economia está precisando de uma grande sacudida? Devemos deitar fogo nas nossas cartilhas atuais e reescrevê-las do zero?

Na verdade, não. Sem recorrer à caixa de ferramentas do economista, sequer poderemos começar a entender a crise atual.


Por que, por exemplo, a decisão da China, de acumular divisas estrangeiras, levou uma instituição de crédito imobiliário em Ohio a assumir riscos excessivos? Se a sua resposta não usar elementos de economia comportamental, teoria da agência, economia da informação e economia internacional, entre outros, provavelmente continuará seriamente incompleta.

A falta não reside no campo da economia, mas no campo dos economistas. O problema é que os economistas (e os que lhes dão ouvidos) ficaram excessivamente confiantes nos seus modelos preferidos do momento: os mercados são eficientes, a inovação financeira transfere risco aos melhor capacitados para arcá-lo, a auto-regulamentação funciona melhor e a intervenção do governo é ineficaz e prejudicial.

Eles esqueceram que havia muitos outros modelos que levavam a direções radicalmente diferentes. O orgulho arrogante gera pontos cegos. Se algo necessita de reparo, é a sociologia da profissão. As cartilhas - pelo menos as usadas nos cursos avançados - são ótimas.

Não-economistas tendem a enxergar a economia como uma disciplina que venera mercados e um conceito estreito de eficiência (de alocação). Se o único curso de economia que você frequenta é o típico giro introdutório, ou se você for um jornalista pedindo que um jornalista dê uma rápida opinião sobre um tema de política pública, é o que realmente vai encontrar. Mas pegue mais alguns cursos de economia, ou consuma mais tempo em salas de seminários avançados, e receberá um quadro diferente.

Economistas do trabalho se concentram não só na forma como sindicatos podem distorcer mercados, mas também, na forma como, sob certas condições, eles podem melhorar a produtividade. Economistas do comércio estudam as implicações da globalização sobre a desigualdade dentro de e através de países. Os teóricos das finanças escreveram abundantemente sobre as consequências do fracasso da hipótese de “mercados eficientes”. Macroeconomistas da economia aberta examinam as instabilidades das finanças internacionais.

O treinamento avançado em economia requer aprendizagem detalhada das falhas de mercado, e sobre o sem-número de formas nas quais os governos podem ajudar os mercados a funcionarem melhor.

A macroeconomia pode ser o único campo aplicado na disciplina de economia no qual mais treinamento aumenta a distância entre o especialista e o mundo real, devido à sua dependência de modelos altamente irreais, que sacrificam a relevância em favor do rigor técnico.

Lamentavelmente, em vista das necessidades atuais, os macroeconomistas fizeram pouco progresso em planos de ação desde que John Maynard Keynes explicou como as economias podem ficar atoladas no desemprego devido à demanda agregada insuficiente. Alguns, como Brad DeLong e Paul Krugman, dirão que o campo já regrediu.

A ciência econômica é na verdade um conjunto de ferramentas com múltiplos modelos - cada qual uma apresentação diferente e estilizada de algum aspecto da realidade. A habilidade de um economista depende da sua capacidade de escolher cuidadosamente o modelo apropriado para a situação.

A fertilidade dos economistas não se refletiu no debate público porque os economistas tomaram demasiada liberdade. Em vez de apresentar menus de opções e relacionar as vantagens e desvantagens relevantes - a razão de ser da Economia - muitas vezes os economistas preferiram transmitir suas próprias preferências políticas e sociais. Em vez de serem analistas, eles têm sido ideólogos, preferindo um conjunto de ordenamentos sociais em detrimento de outros.

Além disso, os economistas têm hesitado em compartilhar as suas dúvidas com o público, temendo “fortalecer os bárbaros”. Nenhum economista pode estar completamente seguro de que seu modelo predileto esteja correto. Mas quando ele e outros o defendem a ponto de excluir as alternativas, acabam transmitindo um grau exagerado de confiança sobre o tipo de rota de ação exigido.

Paradoxalmente, portanto, a desordem reinante na profissão representa, talvez, um reflexo melhor do verdadeiro valor agregado da profissão face ao seu enganoso consenso anterior. A economia pode, na melhor das hipóteses, tornar claras as opções para os formuladores de políticas; ela não pode fazer essas escolhas para eles.

Quando os economistas discordam, o mundo fica exposto a legítimas diferenças de opinião sobre como a economia funciona. É no momento em que eles concordam tanto que o público deve tomar cuidado.
Dani Rodrik é professor de economia política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard e foi o primeiro a receber o Prêmio Albert O. Hirschman do Conselho de Pesquisa de Ciências Sociais © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org

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