Brasil das mudanças

Sebastião Salgado

Rui Grilo
Gosto muito de viajar e logo que nos casamos fui visitar a terra natal da minha esposa e seus parentes. Assim, fui conhecer Aimorés, na margem do Rio Doce e na divisa de Minas com o Espírito Santo.

Hoje, no Globo Rural estavam entrevistando seu filho mais ilustre: Sebastião Salgado. Talvez seja o fotógrafo mais importante do Brasil e um dos maiores do mundo. Perseguido pela ditadura, exilou-se na França e abandonou a Economia para tornar-se fotógrafo, tornando-se conhecido pelas suas fotos sobre os excluídos e refugiados da guerra. Parte dos direitos autorais de suas fotos sobre o MST voltou ao próprio movimento para financiar seus projetos.

Diante das câmeras, folheando o livro sobre o MST , mostra como uma família que conseguiu ser assentada, vive modestamente mas sem perder sua dignidade. Ao fundo aparece uma prateleira com utensílios de alumínio brilhando de tão limpos. Em seguida mostra outra foto em que aparece o cadáver de um militante morto na luta por um pedaço de terra. Na Europa, de acordo com Sebastião, há muita dificuldade de compreender porque os militantes do MST são perseguidos e mortos, porque estão lutando pela própria sobrevivência e pelo seus direitos.

Ninguém é a favor da violência mas dá para compreender o desespero daqueles que não tem um lugar para viver e trabalhar, quando ao lado há grandes latifundiários que invadiram terras públicas para especulação, quando a terra deve ter um fim social. Sem terra não há alimentos e, sabe-se que a maior parte dos alimentos consumidos são produzidos em pequenas propriedades, com produção diversificada e maior controle para não desgastar o solo, impedindo a erosão e a desertificação.

Nas cidades onde são instalados assentamentos há uma melhoria das condições de vida e elevação das receitas públicas porque há maior giro de capital. Só consome quem tem dinheiro para consumir. É lógico que essa elevação da receita demora um certo tempo até a consolidação da produção e da venda dos produtos.

Embora permaneça morando na França, Sebastião Salgado transformou a fazenda da família em uma RPPN - reserva particular do patrimônio natural – através do reflorestamento com árvores nativas. Depois de dez anos, rios que haviam secado voltam a correr. Esse trabalho gerou renda e emprego para pequenos agricultores da região pois sua fazenda se transformou num pólo de experimentação de novas tecnologias para melhorar a produtividade sem destruir o meio ambiente.

Nesta semana, a mesma autoridade que soltou Daniel Dantas, de dedo em riste acusa o governo de financiar o MST acusando-o pela morte de seguranças de uma fazenda em Pernambuco. Faço minhas as considerações do jornalista Leonardo Sakamotoem seu blog:

“Interessante a indignação do magistrado só ter surgido agora. Por que ele não veio a público dizer o mesmo nas centenas de vezes em que ocorreu o contrário, quando grandes empresas e fazendeiros, que receberam recursos públicos do BNDES, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, entre outros, estiveram envolvidos direta ou indiretamente com a morte de centenas de trabalhadores rurais, sindicalistas e missionários, com a contaminação e destruição do meio ambiente, o trabalho escravo e o infantil, a expulsão de comunidades tradicionais de suas terras, a grilagem de terras, a corrupção de políticos e de funcionários públicos? Será que é pelo fato de que, no Brasil, boa parte do Poder Judiciário age com dois pesos e duas medidas, para ricos e pobres?
Qualquer assassinato tem que ser desvendado, seja quem for o autor ou a vítima. Portanto, espero que os crimes em Pernambuco sejam resolvidos e condenados os culpados ou absolvidos os inocentes. A sacanagem é usar o caso como chantagem ou justificativa para recomeçar uma caça às bruxas, semelhante ao que se tentou fazer na CPI da Terra anos atrás.

Vemos assim, dois homens e duas atitudes diferentes perante o mesmo movimento. No primeiro, uma atitude de compreensão, de compaixão e de apoio; no outro, a criminalização a qualquer custo, sem busca de alternativas, como se todas as leis e todo poder fosse legítimo. As leis são feitas por quem tem o poder e, só recentemente o povo, de fato, passou a exercer, ainda que timidamente, a sua cidadania, influindo na legislação para que se torne mais eqüitativa.


É difícil haver mudança sem contestação. Por isso Tiradentes morreu.
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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