Sábado

Por falar em drogas

Sidney Borges
Naquela tarde pescando lulas decidi que nunca mais mataria. Fiquei comovido pelo apego à existência daqueles animais curiosos e vorazes e imaginei uma troca de escalas. Elas grandes, eu pequeno. A situação seria da maior complexidade, equação de difícil solução. Há um diminuto intervalo de tempo entre abertura e fechamento do bico de papagaio, que dizem cortar como gilete. A imagem me remeteu à Guerra da Argélia e às batatas cravejadas de lâminas de barbear. Lançadas produziam estrago terrível, que podia ser observado pela ausência de narizes, orelhas ou cicatrizes horrendas. Simone de Beauvoir cita em suas memórias que Sartre passou um ano tendo visões de lagostas e caranguejos gigantes que o assombravam. Fruto de uma viagem de mescalina. Parece certo que drogas libertam coisas que carregamos em algum lugar do cérebro e que não sabemos da existência. O Universo me é estranho, quase surrealista. Quanto mais o estudo, menos sei dele. Paulo Francis implicava com Sartre a quem chamava de “menino Jesus”. Suponho que tinha a ver com o tamanho do documento. Simone de Beauvoir jamais demonstrou se importar, ou se havia algo que a incomodasse, calou. Talvez para ela a cabeça que suporta o chapéu prevalecesse, o que é raro, muito raro. Uma vez levei uma pedrada. Eu estava assistindo a um jogo de futebol sentado na grama ao lado do campo. Tinha oito anos. Um menino mais novo se divertia lançando tijolos para o alto. Ele os tirava de uma pilha em uma construção próxima. Um deles me acertou. Fiquei amuado, fui-me embora confuso. Ao entrar em casa fiz um longo discurso sobre Santo Agostinho e a incompatibilidade entre o rigor científico e o pensamento do homem comum. Juntou gente, a vizinhança queria ver o fenômeno. A família, obviamente ficou assustada, chamaram um táxi e me levaram ao médico. Eu não me lembro de nada, minha avó que era espírita me contou. Anos depois, eu com mais de vinte anos, minha mãe disse que tinha notado que os danos tinham sido de pequena monta quando pedi um kibamba. Ela estava desconfiada que eu retornaria ao que o vulgo chama de normalidade. Tenho dúvidas se aconteceu. Disse-me ela que o momento decisivo foi quando mandei a platéia de vizinhos à puta que pariu. A tijolada libertou demônios de minha memória. Pobre Sartre.

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