Liberdade de Imprensa

Veja também • Edição censurada
Quando VEJA nasceu, em setembro de 1968, o país vivia sob a sombra da ditadura. Além de negarem à população o direito de escolher seus governantes, os militares atacaram outro pilar da democracia: o direito à informação. Uma rede de censores foi formada para monitorar os grandes veículos de informação. VEJA foi alvo da censura logo em sua edição de número 15, publicada em 18 de dezembro de 1968.

O presidente Arthur da Costa e Silva, apoiado por quase todo o seu ministério – com a corajosa e notável exceção do jurista Pedro Aleixo, seu vice-presidente civil –, havia acabado de fechar o Congresso Nacional e de promulgar o Ato Institucional Número 5, o AI-5, que ampliava os poderes do regime e suspendia as liberdades individuais. Um censor foi mandado à redação para se certificar de que não haveria crítica à medida na revista. Quando ele perguntou o que apareceria escrito na capa daquela semana, recebeu de Roberto Civita, editor de VEJA desde a sua criação, a seguinte resposta: "Nada".
Diante da informação, o censor deu-se por satisfeito e autorizou a circulação da revista. A capa saiu sem nenhuma palavra, mas com uma foto que falava por si: o presidente Costa e Silva sentado em uma das cadeiras do Congresso vazio. Ao lado dele, apenas o quepe de um militar (veja a foto). O Exército mandou apreender todos os exemplares de VEJA assim que eles começaram a ser expostos nas bancas.
Depois do AI-5, a mão da censura foi ficando mais pesada. No início dos anos 70, a redação de VEJA recebia, todos os meses, um índex preparado pela Polícia Federal com os assuntos proibidos de ser tratados em reportagens. Nada podia sair sobre assaltos ou seqüestros perpetrados por terroristas de esquerda. Nada sobre brigas entre figuras do governo.
Os desacertos da política econômica também não podiam ser debatidos pela revista. Até mesmo a divulgação de um surto de meningite no Brasil se tornou assunto proibido. E, claro, falar da censura também estava censurado. Em fevereiro de 1974, a lista continha 25 tópicos. VEJA desrespeitou um deles ao publicar na seção Datas uma nota registrando a indicação ao Prêmio Nobel da Paz de dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife e inimigo figadal do regime.
A ousadia teve seu preço. A partir dali VEJA seria submetida à censura prévia. Não bastava mais evitar os assuntos preestabelecidos. Um censor foi destacado para ler, antecipadamente, todas as reportagens e entrevistas da revista antes de o material ser enviado à gráfica.
O censor lia tudo: títulos, legendas de fotos, notas de rodapé. No começo, quando um texto era cortado às pressas, ilustrações de anjos ou demônios preenchiam os espaços censurados. Os militares evidentemente não gostaram desse expediente, pois as ilustrações eram sinais claros de que a revista estava sob censura. Eles mandaram substituir as figuras pela árvore-símbolo da Editora Abril, mas logo os jornalistas aprenderiam a dar notícias sem desfigurar as páginas mesmo sob a vigilância dos censores.
A censura prévia a VEJA só seria suspensa em junho de 1976. As perdas foram enormes. Nos dois anos e quatro meses em que VEJA esteve sob tutela, foram vetadas 10 352 linhas de texto, 44 fotos, vinte ilustrações, além de quatro anúncios comerciais. A frase "Livre pensar é só pensar", de Millôr Fernandes, foi cortada oito vezes. Sessenta matérias foram derrubadas na íntegra. A seção que recebeu maior atenção dos censores foi a de entrevistas, as Páginas Amarelas, que foram subtraídas de mais de 10% de todo o material publicável. Muitas laudas com o carimbo da censura estão guardadas no Departamento de Documentação (Dedoc) da Abril. Para além do registro factual, estão lá para servir de alerta: em um país sem liberdade de imprensa, jamais haverá democracia plena. Que esse erro jamais se repita no Brasil.

O país na escuridão

A sexta-feira 13 de dezembro de 1968 é o dia mais infame da história política do Brasil. Com o Ato Institucional Número 5, o AI-5, o marechal Arthur da Costa e Silva deu início a um período de trevas que se estenderia até 1979. O ato foi uma resposta brutal e desmedida às passeatas que pediam democracia, às organizações estudantis que exigiam o fim do regime instalado em 1964 e ao terrorismo de esquerda. Sob o pretexto de enfrentar tais opositores e restabelecer a ordem pública, o governo militar usou o AI-5 para fechar o Congresso, cassar o mandato de deputados, prender dezenas de pessoas e suspender a concessão de habeas corpus. O presidente ganhou a prerrogativa de nomear prefeitos e governadores. Com o cassetete legal cantando no térreo, o pessoal dos porões sentiu-se à vontade para baixar o pau com os porretes de verdade. A tortura e a morte de presos políticos tornaram-se rotina (veja mais).
Em dezembro de 1968, a ditadura, enfim, se revelou com todos os seus dentes. O terror do estado se voltaria também contra juízes, professores e artistas. Nos anos seguintes, centenas de perseguidos partiram para o exílio. A maior parte só retomou a vida normal nos anos 80, com a abertura lenta, gradual e segura arquitetada pelo general Ernesto Geisel e executada pelo último dos presidentes militares, João Baptista Figueiredo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu