Aviação

As dificuldades da Airbus

Gilles Lapouge* / Estadão de 31/05
Nada é mais belo do que um avião da Airbus no céu, e nada mais agradável do que viajar em uma dessas aeronaves. Ao contrário, no que diz respeito à companhia Airbus e ao grupo EADS, que a controla, o panorama é menos luminoso. E, às vezes, até mesmo tenebroso. A gente chega a se perguntar como um grupo tão caótico consegue construir maravilhas mecânicas como essas.
Só na sexta-feira, dois sérios fracassos. Um deles financeiro, e refere-se a ex-executivos da EADS. O outro é industrial, e mostra que o acordo entre a França e a Alemanha, pelo menos quanto à Airbus, não é uma coisa simples.
Em primeiro lugar, o procedimento vergonhoso de ex-dirigentes. De fato, no dia 11 de abril de 2006, J.A. Michel, o presidente da Airbus, filial da EADS, anunciou que as entregas do gigantesco A380, a jóia da gama de aeronaves Airbus, atrasariam por causa de problemas técnicos (instalação dos cabos).
Foi um desastre: em primeiro lugar, para a imagem da Airbus, envolvida em um duelo feroz com a Boeing, e, em segundo lugar, no plano financeiro, pois esses atrasos obrigariam a Airbus a pagar indenizações monumentais às empresas que haviam feito as encomendas dos aviões. No dia seguinte ao anúncio, as ações da EADS despencaram 26%, e o co-presidente francês da companhia, Noël Forgeard, apresentou sua carta de demissão.
Meses antes desse episódio, em novembro de 2005 e em março de 2006, esse mesmo Noël Forgeard vendeu repentinamente certo número de ações, suas opções de ações da sociedade, o que lhe permitiu embolsar 4,3 milhões. Tudo levou a pensar que Noël Forgeard se beneficiara de informações privilegiadas que ele tinha sobre a empresa. Esse é um crime grave, muito grave. É por isso que Noël Forgeard, depois de uma longa prisão preventiva, começou a ser investigado na sexta-feira, depois de ser posto em liberdade mediante o pagamento de uma fiança de 1 milhão.
O caso não está concluído. E o pior talvez esteja por vir, porque dezesseis outros dirigentes da EADS-Airbus estão sendo suspeitos de ter agido de maneira semelhante. Também serão investigados. O que poderá ser dramático para o funcionamento do grupo.
O segundo “abacaxi” é de outro teor. Refere-se às péssimas relações entre as duas nações associadas na Airbus: França e Alemanha. As coisas não andam como deveriam. Os franceses acham que estão sendo maltratados pela EADS. Alegam que seus salários são 40% inferiores aos de seus colegas do outro lado do Reno.
A rivalidade existe também no plano da excelência técnica. Um dos graves problemas que atrasaram o A380 é o cabeamento das seções do gigantesco avião em Hamburgo (Alemanha). O problema obrigou os técnicos alemães a ir a Toulouse para terminar a montagem dos cabos. Na realidade, são os únicos que podem fazer isso porque as instruções, extremamente complexas, são escritas em alemão.
Conseqüentemente, uma multidão de técnicos alemães chegou a Toulouse, na França: nada menos que dois mil. Já há dois anos, eles se esfalfam em cima dos cabos. Parecem sempre enrolados nos cabos, como gatos com um novelo de lã...
A associação entre os dois países, entre duas experiências, duas línguas, dois orgulhos nacionais em um empreendimento “de altíssimo nível” é uma idéia sedutora. Mas, quando se passa da idéia para a execução, a aventura torna-se rocambolesca - às vezes sombria, até mesmo barroca.
Entretanto, tudo isso não impede, felizmente, quase misteriosamente, que os aviões Airbus sejam “maravilhosas máquinas voadoras”.
*Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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