Brasília, 1989

A perigosa aventura de dois destemidos senadores tucanos

Sidney Borges
Em 1989 a televisão era analógica, computador fazia parte do sonho de um porvir glorioso e estava ao alcance de poucos. Na Globo, onde trabalhei nos anos da década de 1980, só Hans Donner tinha acesso à tecnologia digital. Mesmo assim, para fazer suas elegantes vinhetas, ele precisava ir a Los Angeles. Por aqui só tinha o Kromenko, computador gráfico que gerava fundos. Com ele e o gerador de efeitos ADO, muita paciência e trabalho, era mantido o padrão Globo de qualidade no jornalismo. Hoje qualquer computador médio tem mais recursos.

Em São Paulo nem Kromenko nem ADO, apenas uma mesa Grass Valley antiga e muita fé e esperança. Cortávamos cartões, puxávamos linguetas, fazíamos o impossível para manter a peteca no ar. Durante anos a coisa funcionou. Um dia mudei de vida, passei a trabalhar como freelancer. No meio do ano de 1989 fui convidado pelo ex-global, Woile Guimarães, para ser Diretor de Arte da campanha televisiva de Mário Covas à presidência.

Arte exige trabalho de preparação. É preciso fazer e executar o projeto, bolar vinhetas, cenários, escolher figurinos, fazer testes, enfim criar condições para tornar viável um programa. Para quem tinha sido responsável pela arte de todos os jornais da Globo produzidos em São Paulo, dar forma a um programa político de poucos minutos foi como comer mamão com açucar.

Quando a horário político começou a ser exibido eu caminhava todos os dias por uma hora e meia pelo Lago Sul, em Brasília, onde ficava a produtora. Lugar bonito, trabalhávamos em um centro comercial, um oásis em meio às casas de alto padrão que caracterizam o bairro.

Eu morava no Hotel Bristol, mas levava tênis e bermuda para a produtora. Os repórteres chegavam no final da tarde, havia tempo e todos os dias por volta das quatro horas eu andava pelas ruas quase desertas respirando ar seco e contemplando cúmulus altíssimos desmanchando-se no céu.

Caminhadas memoráveis. Comecei a caminhar quando parei de fumar em 1988, inicialmente como forma de evitar sobrepeso, depois pela caminhada em sí. Só quem tem o hábito sabe da sensação agradável que uma boa caminhada produz.

O jornalista Mylton Severiano, conhecido na imprensa como Myltainho, tornou-se meu parceiro nas andanças. Myltainho é um papo agradabilíssimo, culto, inteligente, bem-humorado. Durante semanas a fio exploramos o Lago Sul, até que um dia descobrimos um centrinho comercial onde uma padaria artesanal fazia pães de queijo. Deliciosos.

Myltaynho teve a idéia de comprar alguns para o chefe. Woile Guimarães andava nervoso, suponho que em função de cobranças. Naquele dia aconteceu uma reunião com a nata do PSDB presente, FHC, Artur Virgílio, Mário Covas, Artur da Távola, José Richa, publicitários, estrategistas, bicões, tinha gente a dar com pau. Os pães de queijo fizeram o maior sucesso.

No dia seguinte nos preparávamos para mais uma jornada quando Woile e dois senadores, Artur da Távola e José Richa, entraram na sala da arte e perguntaram onde havíamos comprado aquele manjar celestial, ou seja, os tais pães de queijo. Myltainho deu as coordenadas. Eles se propuseram a ir conosco, ninguém atinou para a distância. Seguramente mais de quatro quilômetros nos separavam da padaria. Para quem caminha todos os dias essa distância é café pequeno, mas para senhores de quase 60 anos, sedentários e acima do peso, é quase uma Belém-Brasília. Um agravante, o Sol inclemente e o ar seco.

Confesso que só notei que a idéia tinha sido uma furada quando percebi a velocidade do cortejo, uma tartaruga iria mais rápido. Os senadores vestiam gravata e paletó, acho que senadores usam paletó até na praia. Artur da Távola foi o primeiro a afrouxar o colarinho e colocar o paletó nas costas. A camisa estava ensopada. E nós não havíamos caminhado nem um terço do percurso de ida. Comecei a ficar apreensivo.

Em certo momento o senador José Richa disse que desistia, sentou-se no meio fio e demonstrou dificuldade para respirar. Estávamos no meio do nada, não passava um carro, continuar seria loucura, voltar impossivel. Para complicar tinha a fumaça que saía da cabeça do chefe, pelo olhar eu e Myltainho seríamos lançados aos leões. Felizmente um táxi salvador apareceu depois de mais de meia hora de agonia e sede. Woyle e os senadores retornaram à produtora, eu e Myltainho continuamos nossa caminhada.

No dia seguinte estavam todos de bom humor. Ao contrário do que imaginamos os senadores gostaram da quebra de monotonia. À noite fomos comer pizza.

Em Brasília tudo termina em pizza, mesmo quando dois bravos senadores quase são tragados pelas escaldantes e traiçoeiras ruas do Lago Sul, em eletrizante aventura.

Twitter

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu