Monday, monday

Carros, abismos e sotaques

Sidney Borges
Houve época em que carros-bomba não explodiam. Quebravam. Em horas impróprias, atrapalhando a passagem do bonde. O Ford 29 do meu pai era especialmente quebradiço. Acho que tinha a ver com o american way of life do pós-guerra.

Nos Estados Unidos os homens consertavam tudo, pelo menos era o que a gente via no cinema. Fazer com as próprias mãos era coisa da revista Mecânica Popular, uma espécie de bíblia, em casa tinha uma coleção delas em espanhol.

Meu pai passava horas enfiado no capô do Ford e quando a gente saía o carro quebrava. Descíamos a empurrar, não havia outro jeito. Quando a pane era séria ele fechava o carro e voltávamos de táxi. Eu gostava.

Voltando aos carros-bomba, eu sabia deles pelas conversas dos adultos. Nash é uma bomba diziam. Carro hidramático não presta. Studbaker só o Champion.

O carro era quase um membro da família, embora fossem poucas que tivessem um. Coisa de gente remediada. Além do carro tinha o cachorro, a tartaruga e o papagaio. Na minha casa tinha tudo isso e um passarinho cardeal. Coitado, morreu de pneumonia e deixou a família consternada por dias e dias.

Os carros-bomba de hoje não quebram, explodem. Claro que não são os carros que explodem, são as bombas que os terroristas colocam dentro deles. Carros explosivos só no cinema.

Outro dia um carro caiu num abismo na estrada que liga Taubaté a Ubatuba. Desceu mais de quarenta metros capotando e parou de cabeça pra cima. Eu vi, parei para socorrer. Ninguém se machucou seriamente, dos quatro a bordo, dois casais, apenas o motorista quebrou o pé. E não aconteceu o que acontece nos filmes quando um carro despenca da ribanceira. Não houve explosão, não se tratava, portanto, de carro-bomba.

Na noite passada eu encontrei em sonho um senhor examinando a estátua do pescador. Pareceu-me conhecido. Quando me aproximei a surpresa, na minha frente estava o arcebispo Makarios, do Chipre. O que estaria fazendo em Ubatuba?


Não consegui entender o que ele disse, não falo grego e aquela língua me pareceu grego. Balbuciei algumas palavras em inglês. Os olhos dele brilharam. Que alegria encontrar um turco. Turco? Eu turco? Preciso melhorar a pronúncia.

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