Crônica

Pisadas de bola, mentiras, traições e decepções generalizadas

Marcelo Mirisola*
Oscar Niemeyer demorou cem anos para pisar na bola. De repente, virou troféu reciclado de Fórmula 1. Alguns meses depois de apagar cem velinhas, os traços do velho comunista inspiraram uma coleção de jóias da H. Stern. Na semana passada, Barack Obama antecipou a equipe de governo: seu homem no Pentágono (ou o equivalente ao senhor da guerra) – pasmem – é Robert Gates, o mesmo que Bushinho mantém no açougue há dois anos. Tenho medo de fazer uma contabilidade e descobrir quantos inocentes civis morreram no Iraque nesse período em que Gates foi o titular do cutelo, digo, da pasta. Não deixa de ser um mimo para Bush, afinal, Obama demonstra ser um homem afetuoso. Um pouco mais afetuoso do que a recém-nomeada ministra Hilary Clinton que, na campanha eleitoral, o acusou de ser um ingênuo em se tratando de política externa... Vejam só. Vai ver que Obama está querendo provar que não era assim tão inocente: nem bem assumiu a presidência e já virou um branquelo saudosista. Pisou na bola feio. Desse jeito vai acabar feito o Michael Jackson, que jura que Neverland é apenas um lugar incompreensível para os adultos. Eita!

A lista das pisadas de bola é imensa. Vou começar por um caso que não é exatamente um clássico de pisada na bola. Nem se trata de pisada na bola. Porque eles são dos donos da bola e do campinho. Mas vale para aporrinhá-los.

Vamos lá. Antes de ser engolido pelo Itaú, o Unibanco jurava que nem parecia banco. Parecia tudo: cinema, editora Cia das Letras, festival de Paraty... e também parecia com a filha do Ziraldo (aquele da indenização). O banco era dentuço, usava óculos retrô de aros grossos e não tinha vergonha de ser meio emo-modernete – até ganhava prêmio em Berlim – parecia tudo menos banco. Pois bem. Espero que – depois de engolido pelo Itaú – seus marqueteiros mudem de tática e digam logo que o novo Itaú-Unibanco, é ,de fato, um banco que cobra juros de 10% ao mês e esfola seus clientes sem lirismo, sem dó, sem arte nem piedade. Simples assim. Aqui vai a sugestão para o slogan do novo gigante: Itaú & Unibanco: simples assim: no seu forévis.

Voltemos às pisadas na bola. O primeiro caso que me ocorre – e não podia ser diferente – é de um boleiro. Lembram de Walter Casagrande Jr., o maloqueiro da democracia corintiana? Virou mauricinho da Globo, e não agüentou o tranco. Sinceramente, Casão? Desejo as melhoras. Desejo que você se cure – principalmente – da companhia do Galvão Bueno. E Mano Brown? Que agora, além de garoto-propaganda de Jesus, virou garoto propaganda da Nike. A única coisa que ele e os Racionais não vão conseguir mudar – tenho certeza – são as rimas pobres e toscas. Os caras são tão limitados que nem se quisessem conseguiriam ganhar um troco tirando onda com os barquinhos da bossa nova, como fez a ex-banda Sepultura.

Impressionante como essa gente vira a casaca. O rato de porão João Gordo virou um Mickey Mouse – papai Gelol exemplar, com direito a massagens de ofurô e férias na Disney. Nem vou falar do Lula e dos sindicalistas endiabrados do PT – chega a ser redundância e necrofilia com os anos 70 e com aqueles ingênuos que morreram por causa eles. São muitas decepções. Estou puxando pela memória. Se alguém lembrar de mais alguma coisa, por favor, me ajude nos comentários do Fórum.

Nem sei se é correto falar em trairagem. Uma vez que ninguém trai o passado: simplesmente porque não se negocia com aquilo que já foi para o lixo. Ao contrário do futuro que vem embutido no pacote – e que estava lá de tocaia. Só esperando para dar o bote, e tirar suas casquinhas.

Um parêntese. O futuro não muda o passado, o engana. Não é à toa que inventaram o futuro do pretérito. De longe, o tempo verbal mais malandro e escorregadio: ele é a prova de que Deus não existe mas “acontece”, e que está ali apenas para tirar uma onda da cara dos otários. Esse tempo verbal é tão safado – e tão perfeito – que vislumbra uma esperança que jamais poderia existir, e vive em função de uma correção impossível. Sabem por quê? Porque desde sempre, tanto a esperança como a eventual correção daquilo que foi sem nunca ter sido, estiveram viciadas. Uma se alimenta da outra sem dar nem receber. O tal do vício de origem. O futuro do pretérito, aliás, é o meu tempo verbal e existencial preferido.

Voltando. Me ocorreram mais pisadas de bola. O Fábio Jr. Caramba! O cara escreveu “Pai”, a letra mais bonita da MPB, a meu ver, mais bonita que a “Beatriz” do Chico. Essa letra – para um cara sentimental do meu feitio – vale por toda a obra do Caetano Veloso. E aí o que acontece? Fábio Jr. acaba vendendo eletrodomésticos nas casas Bahia junto com o Zezé di Camargo e Luciano. Temos casos de rockeiros e travestis que viraram pais de família, cagadores de regras repetitivos e pastores evangélicos. Taí o Catalau, da falecida banda Golpe de Estado, que não me deixa mentir.

Acredito que o caso mais patético de pisada de bola é o do Cid Moreira, que apavorou o Brasil por décadas. Ah, Cid. Eu lembro que na hora em que o Jornal Nacional começava todo mundo tinha de fazer silêncio em casa, eu morria de medo do vozeirão de fatalidade do Cid Moreira, a voz do Roberto Marinho botando pra fuder, elegia e derrubava presidentes e, agora, ah, meu Deus! Nem o Mister M acredita nele. Ia falar do Pedro Bial, mas esse nunca me enganou. Chegou a enganar até o Paulo Francis, que disse que o queria como o filho que não teve. Da minha parte, sempre o tive como um picareta – desde os tempos em que fazia filminho sobre Guimarães Rosa. Acabou no Big Brother. Tava na cara. Quem mais foi parar em Irajá?

Ainda não vi a Playboy da Claudia Ohana, mas já me disseram que sua mata atlântica foi devastada ao longo desses anos. Outra decepção. Uma pisada de bola atrás da outra. O que é que está acontecendo? Pizza com borda recheada, esfilha de frango... Elton John no Brasil. Outro dia passei nas dunas do Leblon, e no lugar dos malucos fumando maconha, sabem o que vi? Uma academia de ginástica a céu aberto. Eu juro por Deus (que não é aquele vira-casaca que bate ponto no Edir Macedo)... eu juro: uma academia de ginástica nas dunas! Na minha época de colégio, abdominal era castigo.

Acho que nos dias de hoje o mais autêntico e confiável e – sobretudo – o único à prova de decepções é o Kassab. O cara que proibiu o vinagrete na feira vai ter Gabriel Chalita como líder na Câmara Municipal. É previsível o que vem por aí. Kassab & Chalita. Esses dois jamais vão trair seus DNAs. A não ser que Chalita entre para o PSTU e Kassab faça como o Gugu, que casou e é pai de três filhos. Difícil, né? Mas quem é que põe a mão no fogo? Se alguém tiver sugestões e nomes a acrescentar à lista de pisadas de bola, traições e decepções, por gentileza, ajudem-me no Fórum de Leitores. O Natal está chegando. Só peço que poupem o bom velhinho.

* Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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