Coluna da Segunda-feira

Conflitos Urbanos Previsíveis

Renato Nunes
Não é preciso ser especialista formado em urbanismo para perceber que a cidade é um organismo vivo. Apesar de não se mover de um lugar para outro, a cidade muda diariamente em razão das atividades das pessoas. Uma cidade é o espaço de desempenho do fazer humano, adoecendo quando as coisas acontecem de modo errado. Antigamente sem luz elétrica e antes da era industrial, as cidades eram mais palpáveis, as ações e os responsáveis eram mais visíveis. Ruas estreitas, armazéns para comércio de produtos de subsistência, de manutenção e serviços artesanais. Andava-se a cavalo, charretes e carroções. Os atritos entre seus habitantes tinham origem em desentendimentos pessoais diretos ou próximos.

Porém, as coisas mudaram. O jogo de pressões econômicas, a energia elétrica, a industrialização e agora a globalização fazem das cidades, mesmo as pequenas como Ubatuba, um universo complexo difícil para se morar. O dia a dia urbano provoca na maior parte dos cidadãos um desgaste diário que muitas vezes não percebemos de onde surgem. Não se trata das questões óbvias como a segurança pública, a falta de água, a limpeza das ruas, ratos, mato e buracos. São agressões estressantes mais sutis, são agressões sem autores. Da mesma forma que uma praça arborizada, silenciosa e limpa cria um momento de paz para quem passa, transtornos e indisciplina provocam muitas vezes atos de loucura no mais pacato cidadão. A disputa por vagas em momentos críticos ou os problemas causados pela localização inadequada de determinadas atividades gera momentos de “stress” alucinantes nas pessoas. Isso tudo tem a ver com a qualidade de vida nas cidades.

Com isso quero dizer que a gestão urbana não pode mais ser realizada pela lógica do “achismo político”. Por exemplo, a Prefeitura de Ubatuba decidiu implantar a zona azul nas ruas centrais da cidade e já demarcou as vagas para esse fim. Muito bom! Entretanto, esqueceu-se das motos. É óbvio que as motocicletas, em numero assustadoramente crescente na cidade, vão se colocar nas vagas dos automóveis, ou entre dois automóveis já estacionados. E haja atrito entre motoqueiros e motoristas. É uma fonte de stress gratuito nascido da falta de planejamento.

Como se vê o assunto é técnico e deve ser conduzido por profissionais da área. Fora da esfera dos interesses políticos, em termos de organização urbana tudo pode ser previsto. Essa postura não reduz a importância dos vereadores e do Prefeito, pelo contrário, cria um balisamento saudável para o natural jogo político. Define as margens para a ação política sem comprometer o interesse maior da comunidade.

As experiências acertadas realizadas em várias cidades brasileiras a partir das ações do arquiteto Jaime Lerner em Curitiba nos anos 70, mostram que estamos muito atrasados ao buscar o desenvolvimento urbano sem levar em conta a qualidade de vida fundamental do cidadão. Não se trata só de desenvolver, mas, desenvolver para quem.

A fórmula encontrada em Curitiba foi a criação do IPUC – Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba, órgão técnico criado à margem do Poder Executivo ou Legislativo, com a finalidade exclusiva de definir todas as ações urbanas. Evidentemente existem embates políticos, mas todas as medidas são tomadas sob a coordenação do IPUC. Hoje Curitiba tem um alto índice de qualidade de vida e os Institutos de Planejamento Urbano se reproduziram em outras cidades.

A partir de janeiro teremos o início de um novo ciclo administrativo para o município. Quem sabe a velha prática casuística possa ser substituída pelas novas ferramentas de gestão urbana?
Com a palavra, os eleitos. E o povo!

Comentários

malheiros disse…
Ô, Renato! Se não me falha a memória, o IPUC era IPPUC (Instituto de Pesquisas em Planejamento Urbano de Curitiba). Quase estagiei lá, em 70 e poucos, quando estava na faculdade de engenharia da UFSM. Só não fui porque não tinha dinheiro para a passagem e estadia...
Parece, também, que a situação urbana de Curitiba anda meio deteriorada, por força do descaso de autoridades e abandono do dito IPPUC...

Um abraço

Malheiros

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