Opinião

Debaixo da terra, em meio a conflitos

Washington Novaes
Há poucas semanas, na Assembléia-Geral da ONU, foi aprovado um primeiro esboço de regras que permitam solucionar, "de maneira eqüitativa e razoável", conflitos entre países e governos a respeito do uso de aqüíferos subterrâneos compartilhados. Se se chegar a um acordo, poderá ser avanço importante, já que os aqüíferos subterrâneos respondem por 50% do abastecimento de água potável no mundo, 40% da água de uso industrial e 30% da que é usada na irrigação. Mas não há regras eficazes nem para uso nem para os conflitos - na verdade, sabe-se pouco sobre o tema. As águas subterrâneas, diz o professor Galizia Tundisi (Água no Século XXI, Rima Editora, 2003), estão em 134,8 milhões de quilômetros quadrados e estima-se que cheguem a 23,4 milhões de quilômetros cúbicos.


E os conflitos e dramas podem ser graves. Nos anos 70, por exemplo, a Índia construiu uma barragem no Rio Ganges para derivar a água para a região de Tolbak, mas com isso reduziu a recarga de aqüíferos em Bangladesh. Nos EUA, é conhecido o caso do Aqüífero de Ogallala, que fica sob oito Estados e teve suas águas usadas em excesso (mais que a recarga pelas chuvas), baixou 35 metros em meio século e teve de ser submetido a regras severas para dar tempo à recomposição. No Brasil, talvez o caso mais preocupante seja o da cidade de Ribeirão Preto (SP), totalmente abastecida (mais de 500 mil pessoas) por águas subterrâneas - 99 poços licenciados e 200 não regularizados. Ali, nas décadas mais recentes, a depressão do solo por causa do sobreuso tem chegado a um metro por ano e hoje se calcula que esteja entre 70 e 80 metros.

Na própria cidade de São Paulo são muitos milhares de poços que abastecem parte considerável da população, boa parte não licenciados (Estado, 6/10). Cerca de 350 a 400 poços seriam abertos por ano. E as autoridades do setor calculam que existam 5 mil deles - menos do que estima a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas, para quem 15% dos 50 mil poços abertos a cada ano estariam na Região Metropolitana de São Paulo. No Estado seriam 40 mil poços, dos quais apenas 18 mil autorizados - 80% dos municípios paulistas usam águas subterrâneas, diz o Ministério do Meio Ambiente. Boa parte dos novos shopping centers e condomínios recorre a essa fonte.

Já há muita preocupação com os níveis de contaminação de muitos desses poços, por agrotóxicos e outros poluentes. Em alguns pontos de Santa Catarina já há água inadequada para consumo humano, por essas causas. Em outros pontos, o problema está em culturas de cana-de-açúcar. Em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, o problema está no risco de contaminação por esgotos. Em 2005, o Conselho Nacional do Meio Ambiente aprovou a Resolução 396, com um marco regulatório para aproveitamento de águas subterrâneas, ainda com escassos resultados práticos. O Laboratório de Estudos das Bacias, da Unesp, promete para este ano um mapa hidrográfico do Aqüífero Guarani. E há um estudo conjunto dos países detentores, financiado pelo Fundo Global do Meio Ambiente.
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