Opinião

A cidade no alto da colina

Demétrio Magnoli
"Se ainda existe alguém que duvida que os EUA são um lugar onde tudo é possível, que ainda conjectura se os sonhos de nossos fundadores continuam vivos, que ainda questiona o poder de nossa democracia, esta noite é a resposta." No discurso da vitória, no Grant Park de Chicago, Barack Obama foi adiante e falou ao mundo: "E para todos aqueles que se perguntam se o farol dos EUA ainda brilha com a mesma intensidade, esta noite nós provamos uma vez mais que a verdadeira força de nossa nação não emana da capacidade de nossas armas ou do tamanho de nossa riqueza, mas do poder persistente de nossos ideais: democracia, liberdade, oportunidade e inflexível esperança." O novo presidente retomou um fio histórico muito antigo, conectando-se à tradição do excepcionalismo americano.


Dez anos depois da viagem fundadora dos peregrinos do Mayflower, de 1620, John Winthrop liderou um grupo de puritanos que estabeleceu uma colônia na Nova Inglaterra. A bordo do navio Arbella, pouco antes do desembarque, ele pronunciou um sermão que se tornaria célebre pela passagem: "Nós devemos ser como uma cidade brilhante no alto da colina." Os puritanos ingleses julgavam que sua pátria perecera moralmente por ter rompido o pacto com Deus e prometiam começar tudo de novo na América do Norte, oferecendo aos cristãos da Europa um exemplo de pureza. Não demorou para que a metáfora da cidade-farol fosse preenchida com significados ausentes do sermão original: democracia, liberdade, oportunidade.

Todas as nações são excepcionais, no sentido de que cada uma é o fruto de uma narrativa fundadora singular. Mas nenhuma outra proclama incessantemente essa condição. Três décadas depois da ancoragem do Arbella, com o coração devastado, começaram a chegar à "cidade brilhante" os radicais de Oliver Cromwell. Aqueles revolucionários cristãos e republicanos devotaram sua vida à idéia de acender o fogo da liberdade por toda a Europa, destruindo as opressoras monarquias católicas e cobrindo o mundo com a tenda da Commonwealth. Contudo os Atos de Navegação e a conciliação entre o Lorde Protetor e os poderes europeus encerraram a revolução. Os profetas remanescentes transferiram-se para o outro lado do oceano, onde juntaram os gravetos de uma nova fogueira. Cem anos mais tarde, utilizando a linguagem do Século das Luzes, os pais fundadores inscreveram a idéia da reforma do mundo na Declaração de Independência.
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