Opinião

A farra dos grampos na República da fofoca

José Nêumanne
É natural que o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) tenha uma imagem negativa a ponto de o próprio criador, o general Golbery do Couto e Silva, haver dado a seu respeito um veredicto duro e definitivo: "Eu gerei um monstro." Por mais necessário que seja, nenhum serviço de inteligência goza de boa reputação no mundo todo. Nos relatos escritos sobre a Agência Central de Inteligência, a CIA americana, por exemplo, nada é destacado de positivo para ser citado: só vêm à tona exemplos de trapalhadas e de erros grotescos, como a malograda invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, na gestão Kennedy. No caso da agência brasileira, a má imagem é piorada pela péssima catadura: seus préstimos foram utilizados para monitorar movimentos e ações dos órgãos da repressão da ditadura militar contra a resistência dos grupos da esquerda armada. O SNI sujou as mãos com o sangue dos mártires do socialismo e dos sobreviventes da guerra suja, atualmente no poder.

A extinção do serviço foi mais uma bravata do primeiro presidente eleito pelo voto popular após Jânio Quadros, Fernando Collor de Mello, que não deve propriamente ser definido como um estadista. E, por isso, não teve tirocínio para, depois de jogar o entulho autoritário no lixão, criar um sucedâneo para não deixar a Presidência da República a pé em informação estratégica. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), criada para suprir essa lacuna, nunca conseguiu cumprir tal papel e tem funcionado apenas como um ninho de "arapongas", ave brasileira de canto estridente a que a gíria recorreu para definir os agentes secretos nacionais. Este, na certa, não é um elogio à sua discrição, condição sine qua non para a eficiência no ofício deles.
A generalizada quebra de sigilo telefônico, vinda à tona com a tal Operação Satiagraha da Polícia Federal, denuncia a existência entre nós de uma República de comadres fofoqueiras, com graves conseqüências para a vida de alguns cidadãos. E, sobretudo, com riscos para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito. A mera invocação do SNI, morto e enterrado no século passado, já é por si só uma demonstração da incapacidade crônica das autoridades encarregadas de gerir a coisa pública e de sua vocação para a chanchada.
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