Crônica

Brasil Pererê

Marcelo Mirisola*
Olavo Setubão é o primeiro santo banqueiro da história. Só mesmo no Brasil da “negona” Marisa Monte é que podia acontecer algo tão surreal. São Setubão. O banqueiro morreu no mesmo dia que Dorival Caymmi. A crer nas homenagens prestadas e nos necrológios, os dois devem estar no mesmo céu improvável reservado aos grandes brasileiros, tocando harpas e deitados em berços esplêndidos – junto com Waldick Soriano e um Tom Jobim incrédulo.

Vejam só o que o Presidente da República, ex-metalúrgico e inimigo número um dos “poderosos” disse a respeito: "Olavo Setúbal foi um dos grandes empreendedores brasileiros do nosso tempo. Sempre acreditou que era possível construir um futuro melhor e, neste sentido, deu uma importante contribuição ao desenvolvimento do país, especialmente na área financeira." Palavras que não diferem muito das que foram proferidas por Pedrinho Moreira Salles (Unibanco) e Lázaro Brandão (Bradesco), todos homens públicos exemplares e igualmente candidatos a santidade. Alguns até líricos.

Já escrevi sobre Setubão aqui neste espaço, e contei minha aventura na financeira do grupo Itaú, a Taií. Um cara que cobra em quatro meses (o tempo do verbo é o presente, porque Setubão morreu mas os juros continuam cada vez mais vivos) 50% do cliente a quem o crédito é negado no próprio banco – e só é aceito na financeira do mesmo, deve ter poderes de achacamento sobrenaturais. No céu de Setúbal os juros são de 160% ao ano! Quem me dera! O problema é que no céu dos grandes vultos pátrios não tem cheque especial para escritores, está reservada a ala da Taií, também conhecida como inferno.

Uma semana depois morreu Fausto Wolff, e nem o Lula nem o Kassab, nem ninguém que encheu a boca para falar do grande empreendedor Setubão, ninguém – tirando a Márcia Denser, que prestou uma homenagem lúcida porque dentro da própria homenagem descartou o cinismo dos necrológios protocolares – ninguém falou nada de relevante do autor de À mão esquerda. Esquisito, né?

À mão esquerda é o título do romance que Fausto Wolff deixa como legado às próximas gerações de endividados. Também escreveu, entre outros, um livro cujo sugestivo título é O homem e seu algoz. Fausto Wolff também era conhecido como Natanael Jebão. Então, eu me pergunto: qual o legado de Olavo Setúbal?

Vai ver que é o Jebão que Fausto Wolff teve de penhorar para se arrastar aqui nessa agência bancária chamada planeta Terra. Um Jebão que nas mãos do banqueiro – até depois de morto – continua debulhando o forévis de milhões de brasileiros.

Mas a coisa mudou. Esse devedores (eu incluído), agora, são os credores de sua pobre alma, Setubão. Agora é que são elas! Chegou a sua vez de pagar juros para o capeta!

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No auge da crise do mensalão a oposição – e até “aliados” – apostavam que Lula sucumbiria diante das graves denúncias que pairavam no ar. Era apenas uma questão de tempo para que a lama o atingisse. Todos os seus próximos caíram, um por um. O cerco estava fechado e a Lula restavam poucas alternativas: a renúncia,o suicídio ou o apodrecimento no Planalto até que as próximas eleições o varressem do cargo e – junto – jogassem o PT na lata de lixo da história do Brasil. A oposição deitava em berço esplêndido, e contava as favas.

Hoje eu me pergunto: como é que um cético pode cultivar sua incredulidade num país como o Brasil? Depois das últimas pesquisas que indicaram que o presidente Lula bateu o recorde histórico de popularidade, estou desorientado. Vou trocar o pessimismo falido e a razão desmoralizada pelo fiapo de lógica que me sobrou. Isto é, a partir de agora passo a acreditar em duendes e no sobrenatural. Da crise do mensalão até o empate de zero a zero com a seleção da Bolívia contam-se menos de dois anos. De lá para cá, o Brasil de Lula virou o jogo e passou de vilão a protagonista da história. Hoje somos o gigante que acordou de um pesadelo de terceiro mundo para uma verdade resplandecente; descobrimos reservas gigantescas de petróleo, batemos recordes de produtividade na agricultura, a indústria está funcionando a pleno vapor e, nunca, em nenhuma época, o brasileiro teve tanto crédito e poder de compra como agora: a chamada classe “C”, que antes comia carne de calango, hoje, consome presunto e iogurte. Só no último semestre a economia cresceu 6% e foram criados mais de dois milhões de empregos formais. Isso tudo com a inflação controlada e mais de 200 de bilhões de dólares em reservas internacionais, assim, o Brasil, em meio ao colapso do sistema financeiro norte-americano, alça vôos em céu de brigadeiro – foi o que nos garantiu o ministro Mantega. Então vamos acreditar nele; digamos que nosso país tropical é abençoado por Deus e bonito por natureza e que, apesar do Hugo Chávez, nossa vocação é ser o farol que vai iluminar o futuro da América Latina.

O presidente Lula é a prova viva e palpitante dessa luminosidade fulgurante e igualmente é a prova de que o sobrenatural não só existe, como opera milagres sobre nosso exuberante país e nossa gente privilegiada.

O exemplo e o reflexo mais notório dessa pujança são as paraolimpíadas da China. Ninguém pode duvidar de nossa vocação para o protagonismo na cena internacional. O ouro está aí para reluzir na cara de quem ainda tem alguma dúvida. Somos uma incontestável potência paraolímpica. E o nosso Lula é o silogismo que dispensa as premissas. A síntese em estado de graça. Um desafio filosófico. Ele é mais do que um simples presidente, é o avanço tecnológico do Saci-Pererê. Um símbolo nacional. Ele é o ungido, e o Brasil é a imagem e semelhança do presidente. O Brasil de Lula é o país do cotoco que deu certo, apesar de tudo e dos vexames da seleção do Dunga, o futuro é Zé do Caixão, o futuro é banda Calypso. Basta assumir a viralatice e ajeitar-se na frente do espelho, não adianta estrebuchar. Somente o feio pode ser bonito se assim o quiser, o contrário é mentira. O futuro é pererê, mas é nosso.


** Neste 26 de setembro, meu romance Animais em Extinção (ed. Record) estará em todas as boas livrarias do ramo.

*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.

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