Perdas

Jamelão

Sidney Borges
Passei alguns dias no Rio por ocasião do IV Centenário da cidade. Foi em 1965. O Aterro da Glória me tirou o fôlego. Foi a paisagem urbana que mais emoção me causou até então. Eu era jovem, no verdor dos "teen", cheio de sonhos, esperança e vontade.
Fiquei hospedado na casa de um amigo, em Laranjeiras e um dia fomos visitar o primo dele, na Praia de Icaraí, em Niterói. Augusto, o primo era maior de idade e nos levou a um bar perto da estação das barcas para tomar cajú amigo. Gostei, o suco de cajú era servido em uma espécie de tubo de ensaio, bem como a pinga, a mistura ficava por conta do freguês. Saímos alegres, na porta do bar um senhor visivelmente embriagado fazia um discurso contra alguém imaginário, ou talvez invisivel para mim, mas que devia ser um grande desafeto. Jamelão, disse Augusto ao meu ouvido. O quê, perguntei. Jamelão, ele continuou. Esse cara é o Jamelão. Ele sempre vem aqui tomar umas. Depois do cajú eu tinha perdido a inibição, cheguei perto e interrompi o solilóquio com a introdução: "saudade, torrente de paixão, emoção diferente..."
Jamelão ficou me olhando com cara de espanto, depois fez uma coisa que não era comum, sorriu e abriu o vozeirão:
Saudade
Torrente de paixão
Emoção diferente
que aniqüila a vida da gente
uma dor que não sei de onde vem.
Deixaste meu coração vazio
Deixaste a saudade
ao recusares aquela amizade
que nasceu ao chamar-te
Meu bem!
Fiquei em transe, arrepiado, arrebatado. Uma multidão se formara em torno. Os aplausos foram muitos, inclusive dos passageiros do ônibus que parou para ver Jamelão cantar. Ninguém ficava indiferente a ele. Jamelão. Saudade.

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